terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ADSENSELESS - Parte 5

Márcio Massula Jr.

Macanudo notou que, ultimamente, Júnior já não demonstrava sua habitual paciência. Ou melhor, não demonstrava mais nada, uma vez que não atendia mais as ligações de Macanudo, que começou a desconfiar que insistir na rescisão de seu contrato com a Plex não tinha sido uma jogada muito inteligente.

Nas primeiras vezes, Junior simplesmente tentava dissuadir Macanudo, dizendo que tudo iria passar e que o contrato era por tempo limitado. Bastava que o primeiro esperasse. Mas, para Macanudo, esperar estava fora de cogitação. Ele estava perdendo a mulher que amava, e aquilo poderia deixar sequelas emocionais para o resto da vida.

Quando Macanudo ficou muito incisivo, Junior passou a lembrá-lo de várias cláusulas obscuras do contrato, sendo que nas últimas vezes ele chegou mesmo a perder a compostura, algo incomum numa pessoa treinada para lidar com o público.

Um dia Macanudo recebe uma ligação. É um terapeuta, contratado pela Plex. Ele quer conversar com Macanudo para checar suas condições psicológicas. Macanudo vê uma oportunidade naquilo e capricha. Não que houvesse muita necessidade. A tensão das últimas semanas devastou-o espiritualmente. As sessões, sempre na casa de Macanudo, eram compostas por longos bate-papos, onde o psicólogo se limitava a pontuar a conversa assentindo com a cabeça e tomando notas em seu netbook. Em alguns momentos, o psicólogo parecia mais interessando nos anúncios que a Faixa estava gerando do que na conversa em si.

Alguns dias depois, as sessões terminaram. Macanudo aguardava ansioso pela resposta. Descobriu que teria que passar pelas mãos de outros especialistas, que analisariam outros aspectos do seu quadro clínico.

Então veio a resposta. Ele estava apto a dar continuidade nas suas funções para a Googolplex. Aquilo era apenas tensão, e poderia ser tratada de outras maneiras. Exercícios, e, porque não, uma nova namorada.

Macanudo não concordava, mas quem dizia aquilo eram os médicos, e os médicos eram infalíveis. Só lhe restava derivar pela cidade, trocando sorrisos falsos com pessoas que não estavam mais tão interessadas no que se passava em sua cabeça.

Macanudo não aproveitou o hype. Não tirou vantagem do momento, e agora ele percebia isso vendo que o número de ocorrências que remetiam ao nome dele ou à Faixa de Anúncios caia vertiginosamente. Logo era seria passado, notícia velha, e o peso da sua decisão se tornaria muito maior. Ele falou a respeito disso com Chico, que, inexplicavelmente, não deu muita atenção ao assunto. 

Logo ele, a primeira, talvez segunda pessoa na fila dos que achincalhariam Macanudo pelo resto da vida quando ele finalmente se desse por vencido. Na verdade, a última conversa que tiveram foi sobre a Faixa. Chico queria saber se os anúncios contextualizados exibiriam conteúdo pornográfico quando Macanudo estivesse tendo relações com Ândrêa - ou com qualquer outra pessoa, embora a segunda opção estivesse muito longe de ser verdade. Macanudo ficou sem saber o que responder, mas disse ao amigo que se lembrava de algo sobre um filtro de conteúdo. Não sabia exatamente como funcionava.

Um dia ele entra em uma loja de sapatos e fica vendo alguns modelos que talvez pudessem agradar Ândrêa. Existia a chance de que um presente normal, vindo de um cara que queria voltar ao normal, fizesse com que ela reconsiderasse tudo. Ele se aproxima de uma vendedora. Ela dá um sorriso, daqueles que as pessoas costumam soltar quando estão frente à frente com celebridades em declínio vertiginoso. Os alemães têm uma palavra para isso. Schadenfreude.

- Oi.

- Olá! Precisa de ajuda, seu Macanudo?

Macanudo já tinha se acostumado com desconhecidos chamando-o pelo nome.

- Preciso sim. Quanto é aquele sapado ali?

A moça pensa em consultar o preço, mas vira-se para ele, sem saber direito o que fazer. Macanudo percebe aquilo. Acha que ela está constrangida.

- Algum problema?

- Olha, seu Macanudo... isso é alguma pegadinha?

- Pegadinha?

- É.

Macanudo não sabe o que dizer. A moça certifica-se que não há ninguém mais ouvindo os dois. Então volta à conversa.

- Isso mesmo. Seu Macanudo, eu sou nova aqui, sabe? Não queria queimar meu filme. Preciso desse emprego. Diz que não é uma pegadinha.

- Mas não é mesmo! Moça, tá tudo bem com você?

- Tá sim. É que sua testa tá mostrando o anúncio de um concorrente. E lá o preço tá menor.

Macanudo pára em frente a uma das vitrines e tenta enxergar o anúncio. Devido ao reflexo, não consegue. Tem que se contentar com a palavra da vendedora, que não teria motivos para mentir. Teria?
Ele se desculpa e sai apressado da loja. A moça, mais confiante, ainda tenta finalizar a venda. Macanudo não dá ouvidos. A situação não foi especialmente constrangedora, mas foi a gota d'água.

***

Dybbuk Júnior era o executivo que toda empresa sonhava em contratar. Possuía um currículo impecável, um sorriso radiante, quatro por cento de gordura no corpo e a total incapacidade de sentir remorso pelo que quer que fosse.

O acrônimo que definia seu cargo tinha oito letras, sendo seis delas consoantes, o que assemelhava tudo a um palavrão do leste europeu. Por isso as pessoas costumavam referir-se a ele apenas como "O Diretor".

Quando sua secretária lhe comunica pelo interfone que Macanudo Geist estava ameaçando fazer um escândalo em sua ante-sala caso não fosse atendido, ele, no mesmo tom monocórdio que usava quando pedia um café ou quando, por esporte, obliterava a auto-estima de um funcionário, pede para que ela deixe-o entrar. Enquanto ouve os passos se aproximando da porta construída com uma madeira ilegal em onze países, ele respira fundo, pressiona o topo da pirâmide nasal como polegar e o indicador e só consegue pensar em uma coisa: puta que o pariu!

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