Já antecipei uma das minhas decisões de fim de ano, e, depois de pensar bem, decidi (com uma única exceção) largar mão de vez desse negócio de fazer roteiros para hq.
Foram muitos roteiros não-lidos, não respondidos, não correspondidos, não desenhados, e é cada vez mais frustrante pensar que vou passar horas burilando algo cujo destino vai acabar sendo um diretório esquecido em meu computador.
Eu ADORO a linguagem dos quadrinhos. Até mantenho este blog só pra falar disso. É fascinante escrever roteiros: imaginar qual vai ser a melhor maneira de unir as palavras e as imagens sugeridas ao desenhista. Saber como o desenhista vai reinterpretar aquilo que você escreveu, o que ele cortou, o que ele mudou e o que ele agregou artisticamente. As conversas que virão na sequência, etc. Mas, vamos aos fatos.
O roteiro é a parte fácil da – com o perdão do trocadalho – história. Fácil porque é algo mais etéreo, ainda está mais no reino das idéias do que no nosso mundinho bunda-de-jaca. A gente pode escrever um roteiro de várias formas: num laptop de última geração, num palm, num caderno, em pedeços de papel de pão, guardanapos, no editor de textos do celular (haja paciência!), enfim, em qualquer meio onde seja possível gravar uma quantidade significativa de palavras. A gente pode escrever um roteiro enquanto espera a consulta, enquanto estamos em horário de almoço, enquanto estamos na praça de alimentação do shopping nos entupindo de quantidades insalubres de carboidratos e proteínas e, a minha preferida, no horário de trabalho (nestes casos, gosto de pensar que estou, indiretamente, sendo remunerado para isso).
Já com o desenho, o buraco é bem mais embaixo. O desenhista necessita de um espaço próprio, necessita de ferramentas específicas e, principalmente, necessita de tempo. A escrita pode ser fragmentada, mas o desenho não. Se o cara tiver desenhar algumas linhas e depois parar para fazer o que quer que seja, provavelmente vai deixar para outro dia. E como isso que a gente costuma chamar de vida não é nem um pouco condescendente com este tipo de divertimento, o outro dia vira outro mês, outro ano, e depois, nunca.
Claro, há também a hiper-bunda-molice que grassa no reino dos pretensos quadrinistas (coloquei no mesmo saco todos os envolvidos: quem junta letrinhas e quem faz linhas) nacionais, e não é nada incomum ter trocas calorosas de emails e mensagens instantâneas substituídas pelo silêncio total. O problema, a meu ver, nem é a desistência (por não poder ou por simplesmente não querer mais desenhar a história. Note que estou falando do ponto de vista de quem faz roteiros. Existem roteiristas furões também), mas sim a falta de transparência. A velha história de ir “enrolando” até quando der. De se comprometer sem saber se realmente vai poder cumprir a sua parte no trato. De não ter coragem de dizer que não sente mais tesão pela história e tá a fim de partir para outra. “Ah, mas eu não estou ganhando nada para fazer isso!” “É? Mas ningúem mentiu pra você. Por que aceitou, então?”. Criar expectativas à toa é a pior coisa que tem, vá por mim.
Por essas e por outras, tô pulando fora, enquanto ainda é tempo.
A exceção, claro, é LIBRA, que também pretendo levar num ritmo mais light. Terminei o segundo roteiro (serão hqs de 8 páginas) e vou tocar o terceiro bem devagar, na manha.
Um efeito colateral disso foi que – à guisa de esperiência -, antes de Libra ter ido parar nas mãos do Leal, tentei migrar o roteiro para um formato áudio-visual (minha desculpa para gastar algumas horas brincando com o
Celtx). Escrevi dez páginas, que abarcam LÍNGUAS MORTAS, o primeiro capítulo, mais o que acabou se tornando a introdução de FIEL, o segundo, que eu não tinha iniciado na época. Achei uma delícia a oportunidade que tive para intertextualizar (como estamos chiques, não?) a história. Há coisas que funcionam em quadrinhos e não funcionariam em um filme. Além disso, já que era para meter o pé na jaca, mudei, para o hipotético roteiro cinematográfico, a história. Se nas hqs - e veja que só escrevi dois roteiros, mas já tenho todo o resto plotado por aqui – ficariam mais pontas soltas e buraquinhos para o leitor preencher com o que bem lhe aprouvesse, na versão cinematográfica seria tudo bem redondinho, bem auto-referente. Seria? Será? Sei lá.
Por outro lado, martelar prosa pura e simples tem se tornado bem mais compensador.
Quem sabe, um dia?