Márcio Massula Jr.
Macanudo Geist vinha de uma tradicional linhagem de tecnófilos, - o bom-senso do escrivão foi a única coisa a impedir que seu nome do meio fosse Playstation 2 - e todos acharam perfeitamente natural sua decisão de se filiar ao programa de Marketing CorporAltivo da Googolplex.
Esse nome, aliás, um trocadilho pouco brilhante com palavras de ordem da empresa em questão, foi execrado num dos vários brainstormings feitos pelo filial regional, responsável pela criação e desenvolvimento do programa. Mas um executivo comentou com um subalterno, que comentou com outro, que enviou um email a uma publicação especializada em tecnologia, que lançou o termo no mercado antes mesmo que o serviço fosse anunciado oficialmente.
O funcionário que deu a idéia não recebeu os créditos, aliás.
O princípio era muito simples: a Googolplex colocaria anúncios nos corpos das pessoas, mediante um pagamento justo, evidentemente.
Merchandising em peças de vestuário era algo que vinha sendo feito desde o século passado, portanto essa opção foi a primeira a ser descartada. As primeiras tentativas foram com a utilização de tatuagens UV. O problema era que os anúncios estavam restritos a um nicho muito específico de clientes potenciais – os frequentadores de casas noturnas. Uma evolução foram os pigmentos fotorreativos, que eram ativados de acordo com espectros de luz ambiente pré-programados. Mas, novamente, houve o problema de penetração dos anúncios, uma vez que eles eram definidos de acordo com o perfil do Vetor (o termo que a empresa utilizava para se referir às pessoas que se dignavam a gravar os anúncios em suas peles), e mudanças repentinas de religião, estado civil ou político costumavam por tudo a perder. Havia ainda os Vetores arrependidos - que não eram poucos. Eles renderem muita dor de cabeça aos advogados da empresa, já calejados em enfrentar nos tribunais pessoas que queriam que as tatuagens fossem retiradas antes do término do contrato. Mesmo que houvesse uma cláusula bem definida a respeito da quebra de contrato por parte dos contratados, no caso, os Vetores. Os contratos, aliás, eram verdadeiros labirintos jurídicos, redigidos em estilo quase barroco, expandindo o jargão legal para limites que iam além das capacidades cognitivas de uma pessoa normal. Os candidatos simplesmente desistiam na terceira ou quarta página, pulavam para o final - onde estavam grafados os valores que receberiam - e assinavam. Afinal, qual o problema de se andar com um anúncio estampado em seu próprio corpo por um período determinado de tempo?
O próximo passo foi o que os técnicos da Googolplex chamaram de "Faixa de Anúncios", um dispositivo composto por uma tela de espessura microscópica, ligada a outros periféricos, que deveriam, por sua vez, ser implantados na caixa craniana dos Vetores. Essa mudança de processo acarretou, como era de se esperar, um aumento substancial nos pagamentos dos Vetores assim como no número de cláusulas e letras pequenas dos contratos de adesão.
O funcionamento da Faixa de Anúncios, é tecnicamente complexo, mas funcionalmente simples: o dispositivo consiste de uma tarja de papel eletrônico, ultrafina, implantada na testa do usuário. A tarja é alimentada por uma bateria recarregada por movimento pendular ou por luz ambiente. Ela também conta com uma antena que pode captar sinais em qualquer localidade onde haja uma conexão Wi-Max disponível, o que significa - com exceção de umas poucas dezenas de comunidades com restrições religiosas - no mundo inteiro. Há também uma micro-câmera, de definição muito pequena, mas suficiente para captar trejeitos e expressões corporais de qualquer pessoa que conversasse com um Vetor. Ela ainda conta com microfones que captam as palavras-chave trocadas numa conversa e contextualizam os anúncios de acordo com as mesmas. Há ainda a ferramenta de condução, que são dois micromotores nos quais, nas pontas dos eixos, eram soldados pesos excêntricos que, assim como em smartphones e joysticks, ao girarem, provocam vibrações pequenas mas incômodas nas têmporas do Vetor, onde são implantadas. E, por fim, há um complexo sistema de biometria que monitora o estado físico do usuário, e, por exemplo, desliga a tarja ou ainda deixa-a em modo stand-by caso o Vetor não esteja conversando com alguém.
Pelas cláusulas do contrato, os Vetores receberiam por produção. Isso significava que não era necessário cumprir horários ou metas, mas ficar em casa o dia inteiro não seria nada lucrativo. O contrato também não imputava qualquer tipo de restrição às ocupações pregressas dos Vetores, que poderiam continuar trabalhando e executando quaisquer outras atividades que lhe eram familiares. O sistema de crédito era um tanto obscuro, mas basicamente dependia do Vetor travar uma conversa que desse margem a todo tipo de assunto possível, que, por sua vez, daria margem a todo tipo de anúncio possível. O sistema da Faixa de Anúncios faria uma varredura no interlocutor do Vetor e mediria o interesse deste pelas mensagens e propagandas exibidas na tarja. Quanto maior o interesse, fosse demonstrado verbal ou gestualmente, maior o pagamento.
A grande questão era que um Vetor, além de ter que ser extremamente desinibido - afinal, andar com uma tela implantada na testa não era tarefa para os mais comedidos - tinha também que ter muita, mas muita lábia. Porque, se para a maioria das pessoas, a oportunidade de entabular conversa com um desconhecido no meio da rua já não gerava boas expectativas, o que dizer de um desconhecido cuja testa cintilava anúncios diferentes a cada segundo? O trabalho do Vetor era prender a atenção de uma pessoa o maior tempo possível, sem se tornar um estorvo. A conversa deveria variar, ir de um lado ao outro, sem que o interlocutor percebesse. Embora houvesse um intenso treinamento, as capacidades inatas dos candidatos contavam muito, e tipos acanhados já eram eliminados logo nos primeiros estágios do processo seletivo. O Vetor deveria ter a capacidade de mudar o tema da conversa sem que o cliente percebesse. Tinha que ser dialético, de um jeito hegeliano. Ou heinsenbergiano. Enfim, tinha que vender o peixe. E bem.
Ainda sob efeito de sedativos e analgésicos, ofuscado pela luz do sol e com a cabeça prestes a explodir de tanta dor, Macanudo passa pelas portas do centro médico da Googolplex.
Ele tem que chegar em casa. Mas antes, tem que falar com uma pessoa. Qualquer uma.
Genial o texto, triste o web-site com pop-up *E* pop-under. Um texto desses em um web-site como esse é até irônico...
ResponderExcluirValeu por ter lido, Fernando!
ResponderExcluirQuando aos anúncios, a ironia foi calculada mesmo.
Carai, e não é que essa bagaça do tá com pop-up mesmo? Juro que pensei que você se referia ao Adsense, Fernando.
ResponderExcluirMas isso é coisa do Blogsome, porque está acontecendo em outros blogs deles.
Vou tentar descobrir se há um jeito de desabilitar isso mas, por enquanto, recomendo a todos que configurem seus browsers para bloquearem tanto pop-ups quanto javascripts do serviço "eas.apm.emediate.eu".
O foda, Márcio, não é nem o pop-up, mas sim o pop-under! Isso é que dá raiva pra cacete. Coisa do mal.
ResponderExcluirMas o texto compensa. Estou aguardando a II parte!
abs!
Valeu, Fernando.
ResponderExcluirTalvez a segunda parte, assim como as subsequentes, demorem um pouquinho, mas vão sair, com certeza.