Como disse ontem, a declaração que o diretor da Pixel, André Forastieri (que já foi um dos donos da Conrad) deu na entrevista ao site UniversoHQ me causou certa estranheza, somando mais um ponto ao já bizarro caso da edição de quadrinhos brasileiros no... Brasil.
Quando digo edição, estou me referindo ao aspecto totalmente profissional do trabalho, excluindo quaisquer publicações feitas na base de camaradagem e/ou de maneira independente. Vou me referir aqui à edição de quadrinhos brasileiros por parte de editoras sedimentadas no mercado, que podem colocar ISBN no produto e, consequentemente, podem disponibilizá-lo em qualquer livraria ou site, e que tem condições de pagar os autores, nem que sejam somente os famélicos e usuais 8-10% de direitos autorais.
Agora me diga você: quantos quadrinhos nacionais publicados nesse regime lhe vêm à cabeça agora?
Poucos, né?
Pois é, também acho.
Na tal entrevista, Forastieri afirma que são poucas as pessoas que mandam trabalhos para as editoras. Será mesmo? Porque na própria comunidade da Pixel no Orkut existe um tópico que fala justamente sobre envio de material, e não me pareceram poucos os que se manifestaram (donde podemos concluir que, seguindo a prática que se observa nos fóruns da internet, existe uma parcela muito maior que NÃO se manifestou, mas deve ter enviado material ou no mínimo se interessado no assunto). Eu mesmo cheguei a enviar material, na época em que ainda era só Ediouro, mas, no meu caso em particular, admito minha parcela de culpa na condenação do meu material ao limbo eterno.
Então, mesmo que poucas pessoas enviem, algumas enviam, certo? E depois?
A meu ver, os três piores defeitos da edição profissional de quadrinhos brasileiros são:
“Só aceitamos material pronto”
Se você costuma vir por aqui de vez em quando ou me conhece pessoalmente, deve saber que eu não consigo desenhar nem uma linha torta. Então, quando disse que enviei material à Ediouro, estava me referindo à roteiros de hq. Em duas outras circunstâncias, quando questionei outras editoras sobre envio de roteiros, a resposta que recebi é que só avaliavam histórias prontas. Conversando com pessoas por aí, é fácil perceber que essa é a regra em quase todas as casas que se prestam a publicar material nacional.
E agora eu pergunto: onde está o trabalho de edição aí, afinal de contas? Porque, embora eu não queira desmerecer todo o trabalho que dá publicar um livro ou revista nessas condições, não acho que haja *edição*, de fato.
Sinto que as coisas seriam diferentes caso houvesse alguma empresa que estivesse interessada em desenvolver IDÉIAS. Que estivesse interessada em pegar um roteiro, um argumento ou mesmo uma storyline e ver se aquilo dá samba ou não. Que estivesse interessada em avaliar portfolios. Que estivesse interessada em aparar arestas. Que estivesse interessada em unir escritores e artistas. Que estivesse interessada em CRIAR histórias.
A avaliação de material pronto é mais cômoda para a editora, mas será que é a melhor maneira de fazer as coisas caminharem?
Nos países onde existe um mercado real para hqs nacionais, as coisas costumam funcionar um pouco diferente. Mesmo tendo o material todo pronto ou engatilhado, vai-se apresentando a idéia aos poucos. Normalmente envia-se um “pitch”, que é um resumão de tudo o que vai acontecer, mais amostras da arte, talvez as primeiras quatro ou cinco páginas desenhadas. Em cima disso a editora questiona os autores, pede mais amostras, até sentir que a história tem potencial. Só então é dado o sinal verde para a produção. Isso é legal porque economiza tempo e energia dos autores e da editora.
“Envie para nós seu material...”
Oba!
Mas... que material?
Quando há abertura para mandar as “partes” de uma hq, seja o roteiro, sejam os desenhos, não há especificação de como.
Ok, você aceita roteiros, mas, como eu vou enviá-los? Tem que ser em papel, ou posso mandar um pdf para o email da editora? Como ele deve estar formatado? Texto corrido (full script) ou aquelas tabelinhas horrorozas? E os desenhos? Qual o tamanho dos arquivos que devo enviar? Em qual definição? Em qual formato?
Em qualquer site de grande editora estrangeira que aceita material não-solicitado, existe uma parte específica para submissão de material, onde estão detalhados todos os procedimentos, tanto para histórias completas, como para roteiros ou desenhos em separado. A da editora francesa Delcourt é um bom exemplo. Explicações simples (até para meu parcíssimo francês), informação totalmente visual, e instruções também sobre o que NÃO se deve fazer.
Outra coisa que me chama a atenção é a falta de linhas editoriais. Normalmente o argumento “mande pra nós e, se for legal a gente publica” é visto com bons olhos, mas também pode ser um tiro no pé (dos quadrinistas). Sem uma linha editorial definida, os critérios seletivos serão única e exclusivamente os gostos pessoais de quem selecionará as histórias, e de que adianta enviar aquele álbum maneiro de supas que você levou dois anos para fazer se o máximo em quadrinho americano que o editor tolera são os irmãos Hernandez?
“Obrigado por ter enviado seu material, mas...”
A espera e a angústia. Você envia aquela história que fez com tanto carinho e passa a primeira semana checando seus emails à cada 5 minutos, à beira de um colapso nervoso. Se passam duas semanas. Três. Um mês. Dois. Seis. Um ano. E nada. Ninguém te responde. Ninguém lhe dá uma satisfação, nem que seja para dizer que você deve escolher outro meio para expressar suas idéias. Foda, né?
Foi, por exemplo, o caso dos roteiros que enviei para a Ediouro. Foi no fim de 2005, há bem mais de um ano. Sei que pouco tempo depois houve a fusão com a Futuro, que gerou a Pixel, então provavelmente esse material ficou esquecido por lá. Sei também que não apresentei o material (um punhado mal-organizado de roteiros) como deveria, então, no meu caso, mea-culpa. De qualquer maneira, gostaria sim de ter tido uma resposta. Que fosse negativa, mas que me respondessem.
Uma resposta negativa, acompanhada de uma breve descrição dos motivos que levaram aquele material a ser rejeitado fariam muito bem ao(s) autor(es). Serviria de norte para seu trabalho, e lhe daria a escolha de tentar adaptá-lo ao que a editora propõe, ou ir na contramão e continuar fazendo as coisas como gosta, tentando publicá-las em outro lugar.
Para dar um exemplo concreto (mas sem citar nomes), um amigo, em meados do ano passado, enviou uma proposta à Image Comics. Recebeu a resposta em menos de um mês. Não iam publicar o gibi dele, mas explicaram porque, e, consequentemente, evitou-se que ele alimentasse expectativas à toa.
Depois de tudo o que escrevi, pode ficar parecendo que tenho a maior birra da Pixel, mas não tenho não, viu? Muito pelo contrário. Citei-a várias vezes porque o estopim deste post foi justamente uma entrevista com seus editores, e também por eu mesmo ter enviado material à uma encarnação anterior da editora.
Mas que podiam melhorar a parte de avaliação, ah, podiam.
Olá Márcio,
ResponderExcluirAdorei seu comentário sobre o tratamento que as editoras dão a nós criadores. Lembro-me que recetemente ousei consultar os estudios Mauricio de Souza sobre como enviar roteiros pra eles. O cara que me atendeu, me passou uma baita lista de exigências que achei úteis. Me falou tambem que poderia optar por mandar os roteiros em forma de esboços de desenhos. O cara não era dos mais simpáticos, mas o estudio ao menos me mostrou como deveria proceder para enviar meu material...Enfim, não enviei!
Não engoliria por muito tempo o fato de ver o Mauricio assinar as historias que (im?)possivelmente eu escreveria!
Mas concordo totalmente com você! Já consultei por exemplo a Editora escala e a resposta que tive sem meias palavras foi: "No momento não estamos interessados em autores novos" - (eu)-"Mas não poderia enviar como teste para escrever algum projeto da editora?" - (eles)-"Já temos nosso plantel de autores, passar bem"
Pois é! Não sou um Alan Moore, mas meu material tava até organizadinho...
É isso aí. Desistir nunca!
Abraço cara!
Valeu, Gilson.
ResponderExcluirHoje em dia, estou pouco envolvido com a feitura de quadrinhos, mas acho que boa parte do mito de que "o Brasil não tem bons roteiristas" é culpa dessa má comunicação entre editoras e artistas.