Márcio Massula Jr.
- Certo Francisco. Pode deixar que assumimos daqui.
O MM (meeting mensal) era uma forma da empresa obliterar distâncias hierárquicas e aproximar a alta administração do pessoal que trabalhava no chão-de-fábrica. O objetivo era deixar a diretoria a par dos problemas e soluções levantados pelos analistas e dar a chance da opinião de todos tivesse o mesmo peso. Contudo, com o tempo surgiram as versões revisionistas, e houve quem dissesse que tudo não passava de um mecanismo dissimulado de seleção natural, sendo que os analistas que não apresentassem sugestões MUITO boas num período determinado de tempo – nunca se chegava a um consenso sobre este ponto específico – estavam com os dias contados. No emprego, que fique bem claro.
Francisco chegou à reunião ligeiramente atrasado. Felizmente, o cafezinho preparado por Dona Esmeralda estava especialmente saboroso naquele dia, e os outros nem perceberam que o intervalo – na verdade um prólogo – do café excedeu o horário em alguns minutos. Alguns dos seus colegas notaram que ele não aparentava estar bem. Ele desconversou e deu início à apresentação. Estavam lá Carvalho, o Diretor de Manufatura, Firmo, o gerente da PESQUISAS AVANÇADAS, os gerentes dos setores de Engenharia de Processos, de Manufatura e de Desenvolvimento, mais alguns supervisores técnicos, e claro, os analistas. Francisco, aliás, era um deles. Mas, a despeito de sua timidez natural e da platéia intimidadora, a performance de Francisco foi brilhante. Através de planilhas e gráficos preparados criteriosamente, ele conseguiu provar para toda a cúpula da empresa que suas preocupações tinham fundamentos, que a eliminação de todos os potenciais imbróglios em que a empresa pudesse se meter por causa do chiadinho ultra-sônico justificaria o acréscimo de 0,24% no preço do componente (que, por sua vez, seria retransmitido pelas montadoras aos consumidores como algo na casa dos 2% sobre o preço do veículo), que isso poderia servir de munição ao departamento de marketing, sob a bandeira da responsabilidade social e que, como seres humanos, era obrigação deles tornar o mundo um lugar melhor.
A salva de palmas que se seguiu à ultima palavra de Francisco deu a tudo um ar de comercial veiculado em horário nobre. Ou, talvez, a cena final de um daqueles filmes bem bonitos. Tudo muito plástico, tudo muito legal. Tudo podendo acontecer em qualquer emaranhado quântico de possibilidades. Pena que só aconteceu na cabeça de Francisco.
Sim, ele chegou atrasado. E sim, após explicar em linhas gerais (bem gerais) de que se tratava aquela pilha de memorandos que trazia sob o braço, ele foi interrompido por Firmo, o gerente da PESQUISAS AVANÇADAS com:
- Certo Francisco. Pode deixar que assumimos daqui.
E a história acabou por aí. Francisco olhou em desespero para Ezequiel, o gerente da Engenharia de Processos, que além de chefe, fazia as vezes de conselheiro, mestre jedi e pai postiço. Mas ele não deu sinais de que ia intervir a favor dele, que, a propósito, nem teve oportunidade de sacar do bolso o pen-drive repleto de arquivos de referência, entre eles uma apresentação feita com tanto carinho que derreteria qualquer um dos corações ali presentes, pode apostar.
Na sequênciaa, a atenção de todos derivou para um problema mais urgente, que tinha a ver com uma visita importante e com a cor do piso da fábrica. Aquilo foi o golpe de misericórdia, e as lembranças do pinto-glacial invadiram-lhe a cabeça como um vagalhão. Ele pediu licença aos companheiros e se retirou da sala. Estava bebendo água quando Ezequiel lhe encontrou.
- Olha Chico, desculpe, mas eu não pude fazer nada. Esse pessoal da AVANÇADAS tem muita moral, você sabe.
- Pô, Seu Ezequiel, eu trabalhei nisso tanto tempo...
- É, eu sei.
- Eles nem quiseram me ouvir.
- Na verdade, o Firmo é que não quis ouvir.
- Como assim.
- Já sabe o procedimento.
- O senhor não disse nada.
- Isso. Existe um boato de que todos os setores de engenharia vão passar por um processo de reengenharia, entende?
Francisco não entendeu a piada.
- Estão dizendo que a PESQUISAS AVANÇADAS vai abocanhar tudo. Processos, Manufatura e Desenvolvimento.
- E?
- Ora! Quem você acha que vai mandar na gente?
- ...
- Acho que você ainda não pegou a idéia, moleque. Você não está bem hoje, não é? Está com uma cor estranha. Meio... acinzentado. Tubo bem com você?
- Hã... mais ou menos. Não estou legal. Mas vai passar. Acho. Mas, qual é a idéia?
- A idéia é que o Firmo te cortou não por achar sua idéia dispensável, mas porque gostou dela.
- ?
- Bem, acredito que ele já esteja pensando como futuro chefe de todos nós, e na cabeça dele, esse tipo de trabalho não poderia ter passado despercebido de jeito nenhum, entende? Até o Carvalho ficou assustado com aquela papelada toda! Você causou boa impressão. Agora nós temos que pensar num jeito do Firmo não conseguir levar o crédito sozinho.
- Mas ele não devia levar crédito nenhum!
- Mas vai levar. E eu também. Nós estamos numa empresa e existe uma hierarquia a ser seguida, correto?
- Correto.
- Certo. Bem, agora que você entendeu, a gente tem que pensar numa maneira de botar na bunda desse cara.
Vinda da boca de Ezequiel, uma frase terminada com uma expressão chula era o mesmo que dizer “a casa vai cair”. Restava saber para qual lado.
FELIZ CUMPLEAÑOS!!!
ResponderExcluirJá que não vai poder ser pessoalmente desta vez, vou deixar msg em todos os lugares por onde vc passar... Para que saiba o quanto é amado pela sua família e quanta falta sentimos de vc...
Qdo. voltar, comemoraremos em grande estilo!
Mil beijos de PARABÉNS!
Mamãe e Filhote