quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

PROJETO INTEMPOL

Vamos lá: se você é admirador desse gênero fictício que se convencionou chamar FC e já passou pelo menos alguns minutos de sua vida navegando na internet, certamente já ouviu falar da INTEMPOL. Se não, um breve resumo (porque o tempo urge):

A INTEMPOL, ou Polícia Internacional do Tempo, foi criada por Octávio Aragão no conto EU MATEI PAOLO ROSSI, publicado na antologia OUTRAS COPAS, OUTROS MUNDOS, editada pela Ano-Luz, em 1998. Se quer saber mais, dá um pulo lá no site, ô cabeção! Vou dar só mais uma palhinha, tá? O conceito fez sucesso, e o público exigiu mais. Daí, Mr. Aragão, numa jogada de mestre - e, pelo que me consta, inédita nos meandros ficcionais tupiniquins - abriu as portas do seu universo para que outros escritores e artistas pudessem brincar com as idéias que ele tinha lançado em EU MATEI...

E o fruto disso foi:


INTEMPOL, DAS BUCH

O livro INTEMPOL, lançado pela mesma Ano-Luz nos idos de 2000, traz dez histórias passadas no mesmo universo ficcional. Mesmo já tendo suas cinco primaveras, eu nunca tinha visto a edição antes, e a qualidade gráfica me surpreendeu, embora eu preferisse uma capa mais “clean”, somente com o emblema ou algo do tipo. Mas, como já diz a sabedoria popular, “nunca julgue um livro pela capa”.

No interior do dito cujo, alguns erros de diagramação e algumas frases repetidas (que um leitor desatento, como eu, poderia confundir com alguma representação alfabética dos bizarros efeitos colaterais do deslocamento temporal, ou ainda, com um déjà vu, - falha na Matrix, para os entendidos. Ops! Universo ficcional errado...), mas nada que desabone a edição.

A introdução de Arthur Dapieve situa muito bem o leitor, principalmente no que é o maior mérito dessa antologia: “Difícil dizer se você tem em mãos um romance repartido em contos mais ou menos independentes ou um livro de contos que mais ou menos se articulam num romance”. Alguém aí disse Princípio da Incerteza? O fato é que o material, mesmo sendo composto por estilos totalmente distintos, converge de maneira esplêndida para o mesmo ponto.

Mas vamos ao que interessa. Os contos.

O HOMEM QUE NUNCA EXISTIU - de Lúcio Manfredi

Este pequeno conto de Manfredi é a prova cabal de que, se tratando de literatura, tamanho definitivamente não é documento.

EU MATEI PAOLO ROSSI - de Octávio Aragão

Uma das melhores sensações que um homem pode ter é a de ir demolindo pequenos preconceitos de maneira prazerosa, e foi exatamente isso o que aconteceu durante a leitura dessa história. Na verdade, foi AQUI que tudo começou. Esse conto havia sido publicado em outro compêndio de FC - lançado dois anos antes - OUTRAS COPAS, OUTROS MUNDOS, e marcou a primeira aparição da Intempol, seus agentes e suas traquitanas.

Mesmo estando de posse dessa informação, confesso que sempre fui meio avesso ao esporte bretão, e não estava seguro de que entraria de cabeça - se me permitem o trocadilho - na história. Ledo engano. Octávio Aragão espalha todas as pecinhas de seu quebra cabeças cronológico sabendo muito bem a hora exata - ops!, mais outro. Escapou. - de encaixá-las.

As confusões temporais em que um rapaz se mete devido a uma discussão futebolística são de dar nó na cabeça do Professor Brown, mas a leitura é tão fluída que sublima esse detalhe.

O FURACÃO MARILYN - de Jorge Nunes

Fiquei sem saber ao certo o que pensar desse conto. A premissa é interessante, embora eu não tenha compreendido um trecho em particular. E é aqui que a Intempol começa a ganhar seus contornos, como direi?, malandros. Só acho que, pruma história que envolve dois dos maiores símbolos sexuais do mundo ocidental, faltaram umas cenas de amor mais tórridas.

THE LONG YESTERDAY - de Osmarco Valladão

Comentários lá embaixo. Lá embaixo.

A MORTÍFERA MALDIÇÃO DA MÚMIA - de Carlos Orsi Martinho

Esse aqui é um caso particular, praticamente um spin-off , já que Martinho criou toda uma sub-mitologia dentro do universo Intempol com sua trilogia M, que ainda conta com MELISSA, A MERETRIZ DO MAL e A MACABRA MORTE DE MCMURDOCK, ambas disponíveis para download gratuito no site.

O homem é bom e não deixa a peteca cair nenhuma vez durante as 38 páginas cheias de referências lovecraftianas, nazistas, armas bacanas e mulheres sedutoras. E, cá pra nós, uma das cenas finais é simplesmente impagável.

UM MUSEU DE VELHAS NOVIDADES - de Octávio Aragão

O Dono da Bola ataca novamente! Dessa vez com uma história mais sombria, e que insere mais uma penca de elementos importantes no universo Intempol.

Aqui Octávio brinca - à sua maneira - com o looping temporal, uma das idéias mais legais que costuma andar de mãos dadas com o assunto “viagem no tempo”, e que já deu as caras em filmes como Feitiço do Tempo e 12:01.

SAVIANA - de Jorge Nunes

É a continuação d’O Furacão Marilyn. Talvez, para compensar a atmosfera totalmente bucólica e introspectiva desse conto (o que destoa do restante do livro, mas não é, de maneira alguma, demérito), Jorge Nunes situou o clímax em Cracatoa, 27/08/1883, para ser mais exato. Nem preciso dizer mais, né?

QUESTÃO DE PONTO DE VISTA - de Paulo Elache

Me perdi um pouco aqui, e uma segunda leitura será bem-vinda. Acho que o objetivo de Elache era justamente dar uma entortada na cabeça do leitor, com seus paradoxos temporais e consanguíneos.

A VINGANÇA DA AMPULHETA - de Fábio Fernandes

Em minha humilde opinião, o melhor. Fábio Fernandes, pai de uma das coisas mais legais que li na internet até hoje, destilou toda sua verve nesse conto, soberbo na construção e no desenvolvimento. Falar demais vai estragar a surpresa, mas, só procê ficar com a pulga atrás da orelha, um dos personagens fala por meio de haicais! E nem vou dizer com quem esse mesmo cara é confundido, à certa altura do campeonato.

SÃO OS DEUSES CRONONAUTAS? - de Gerson Lodi-Ribeiro

A função dessa história foi colocar ordem na casa. Gerson pega um gancho da história anterior (A VINGANÇA DA AMPULHETA) e parte desse ponto para amarrar um punhado de pontas soltas, e desamarrar outras tantas. Embora seja um conto muito expositivo, e que talvez tenha sepultado precocemente alguns dos mistérios da Empresa, eu gostei. Gerson tem estilo, e também é pai de outra das minhas histórias preferidas, CAMINHOS SEM VOLTA, publicada na edição 2 da finada revista QUARK.

O HOMEM QUE NUNCA EXISTIU (parte 2) - de Lúcio Manfredi

Pra fechar com chave de ouro. E não se fala mais nisso.


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THE LONG YESTERDAY, O ÁLBUM - Por Osmarco Valladão e Manoel Magalhães.

No tocante aos quadrinhos, sou suspeitíssimo para falar, já que não é segredo para ninguém o pendor das minhas preferências estéticas pela arte sequencial, e, só para continuarmos no contexto, devo confessar que essa releitura se saiu muito melhor do que o conto original. Talvez pelo fato do roteirista, Osmarco Valladão, ser também o autor do conto, talvez pelo fato do próprio Osmarco ser designer, e também manjar de ilustração, talvez pela amizade de longa data entre ele e Manoel Magalhães, o desenhista.

O roteiro é econômico, preciso, e, principalmente, honesto. Segundo Osmarco, o objetivo era simplesmente fazer com que o leitor esquecesse um pouco da vida nos trinta e poucos minutos de leitura. Já a arte remete à escola européia (só não saberia dizer qual delas!) e resvala também no estilo difundido por Bruce Timm e companhia nos anos 90. Muito bonita. Além disso, Manoel é sucinto nas cores, mas usa isso a seu favor. E, claro, não poderíamos nos esquecer da qualidade gráfica do álbum, soberba para os padrões nacionais.

Uma curiosidade (ou infelicidade, dependendo do ponto de vista) é que, na época do lançamento, bastou o título em inglês para que as patrulhas ideológicas já entrassem em DEFCON 2, mas o que essa turminha parece desconhecer é a diferença abissal entre um pastiche e uma referência, ou melhor, homenagem. E fica claro, seja pela introdução assinada por Aragão, seja pela nota colocada por Osmarco ao fim do álbum, seja pela própria história, que o caso aqui é a segunda opção.

Dizem as lendas que vem mais coisa desse naipe por aí. É hora de cruzar os dedos.

MAS, E DAÍ?

A despeito dos méritos estéticos e artísticos (acho que fui redundante, não?) das obras, o que chama realmente a atenção é o caldeirão no qual elas foram gestadas. Como eu disse lá em cima, até onde sei, a iniciativa é inédita por aqui.

Essas observações poderiam ser rebatidas simplesmente argumentando-se que as editoras de quadrinhos americanas já fazem isso há décadas. Isso, sem mencionar os milhares de tie-ins que pipocam nas livrarias quando um blockbuster hollywoodiano que entra em cartaz, quando um novo videogame é capa de todas as revistas, etc, etc. Contudo, o PROJETO INTEMPOL está isento de quaisquer interferências mercadológicas e executivas. Não que exista uma aura romântica ao redor do projeto e os autores não pretendam capitalizar suas idéias, mas o poder de decisão está apenas nas mãos de Octávio - "Deus em seu próprio universo", como ele mesmo diz - que costuma deixar as rédeas bem soltas, fazendo com que o único fator limitante às histórias seja o próprio bom senso dos artistas.

Vale lembrar que o projeto também tem caráter multimídia, e as incursões que ainda não foram tentadas, o serão, em breve.

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Quê que cê tá fazendo que ainda tá aqui, hein? Corre , corre.

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