segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Digressões de um ex-rpgista

Roubei essa imagem de um anúncio no RPGMaisBarato. Se não puder ficar por aqui, me avisem que eu tiro.

Senta que lá vem história.

Joguei RGP como se não houvesse amanhã durante boa parte da década de 90. Pelos meus cálculos, parei 1998 ou 1999. Depois disso, acompanhei de longe por mais alguns anos, e por fim, larguei mão. Basicamente, com uma ou outra exceção pontual, eu não sei o que acontece no RPG nos últimos quinze, dezesseis anos.

Mas um fato recente trouxe o RPG de volta ao meu radar. Mais sobre isso depois. Agora vou tentar recapitular o que aconteceu de lá pra cá.

Como boa parte dos jogadores brasileiros dos loucos anos 90, meu primeiro contato com o RPG não foi com o RPG, propriamente dito, mas com Aventuras Fantásticas, aquela série de livros jogos publicados pela Marques Saraiva.

Se não me falha a memória, o primeiro livro foi O Calabouço da Morte.

Isso foi no início da década de 90. Eu nem imaginava o que poderia ser a internet (ou uma BBS, no caso), e quem comprou o livro foi um dos meus primos, o Pedro. Depois vieram outros livros, e criamos o hábito de reunirmos um pequeno grupo de primos e amigos para tentar jogar aquilo.

Depois chegou o Hero Quest, que tecnicamente, também não era um RPG.

Ainda não sabíamos, mas estava começando o boom dos rpgs no Brasil.

Um dia, alguém apareceu com um exemplar da Dragão Brasil (edição #03), falando sobre o Hero Quest, e aí descobrimos, de fato, o que era o RPG.

Nessa época, o RPG dava os primeiros passos rumo à popularização no Brasil, e em Belo Horizonte, a cidade onde eu morava, existia um espaço que  era dedicado a hqs, miniaturas e RPG, a livraria Leitura da Savassi. Chegar lá era uma verdadeira viagem, mas valia a pena. Até onde sei, essa loja foi fechada, infelizmente. Tivemos contato com com (A)D&D e GURPS, e otras cositas más.

Aí o amigo de um amigo apareceu com um livro de Vampiro: A Máscara, e nosso mundo desabou.

Vampiro era diferente dos livros jogos, do Hero Quest e dos RPGs de fantasia medieval ou ficção científica que conhecíamos até então.

O livro era maravilhoso. Edição primorosa, desenhos sinistros, temática cabulosa, e um Recomendado para Maiores escrito na capa. O que mais um grupo de adolescentes poderia querer?

A questão é que Vampiro destoava bastante dos jogos e RPGs mais conhecidos naquela época. A ênfase na narrativa e na interpretação de personagens, as regras "descomplicadas" (#sqn) e a temática trevosa e urbana nos fizeram esquecer totalmente das masmorras e dragões que vínhamos barbarizando até então.

Mas havia um impedimento. O livro, para nossos padrões, era bem caro. Para jogar Vampiro, tínhamos que ir na casa do dono do livro, o amigo do nosso amigo, e isso nem sempre era possível. Aí o Pedro teve uma ideia genial. Fazer um xerox, ou melhor, um xerocão - prática que nem sei se ainda existe hoje, na época dos tablets e pdfs, mas que era bem comum até então.

Pedro era "office-boy" (outro anacronismo) numa empresa e tinha acesso à copiadora. Se convencêssemos o dono do livro a deixá-lo conosco por alguns dias, poderíamos fazer nossa própria cópia e, se não me falha a memória, um dos argumentos usados para persuadi-lo foi o fato de que o livro original seria poupado do manuseio daquele bando de moleques.

Ele topou.

Pedro ficou com o livro algumas semanas. O trabalho era minucioso e ele só separava as páginas que ficavam realmente boas. O fato do livro ser todo em preto e branco também ajudou . E não venham me falar de compliance, moralidade ou preservação do meio-ambiente. Aqueles eram os loucos anos 90!

Enfim, tínhamos a nossa cópia de Vampiro, e o original foi devolvido, são e salvo, ao seu dono*.

Como não foi feito um xerox frente e verso, e ainda foi usado papel A4 comum, o xerocao ficou com o dobro da espessura do livro original. Mesmo assim, a maravilhosa encadernação - espiral preta e capinha de plástico - deixou o xerocão mais resistente que um MIG-21.

Usamos e abusamos daquele livro. E nos divertimos muito no processo.

Já tínhamos sido fisgados pelos cenários da White Wolf, e além de Vampiro, jogamos uma quantidade considerável de sessões de Lobisomen e, pelo que me lembro, uma ou duas de Mago, um jogo que, na minha opinião, tem um cenário até mais interessante que os seus irmãos mais novos, mas que exigia um nível de abstração que nenhum de nós estava disposto a exercitar naquela época.

Tentamos nos aventurar (#bdumtss) por outros sistemas, como AD&D, GURPS ou Shadowrun (que eu particularmente adorava), Trevas e até Defensores de Tóquio. Íamos em eventos. Nos misturávamos com outros moleque. Mas sempre voltávamos para o nosso xerocão**, mesmo que depois alguns de nós tenhamos juntado grana para comprar os livros originais.

Depois vieram os sistemas que comprei mas nunca joguei, como Paranóia, Millenia, Toon, Refrão e até mesmo um box set de DC Heroes.

E ainda entrou Magic: The Gathering, no bolo.

O único jogo que eu quis muito comprar mas sempre me escapou de um jeito ou de outro, foi KULT, um rpg bem sinistro que era, bem, cult nos anos 90.

O tempo foi passando, foram surgindo outras questões nas vidas de todos, as partidas foram ficando mais esparsas e um dia simplesmente terminaram. Acredito que por volta do ano 98, apesar do carinho pelo jogo, nenhum de nós jogava mais de maneira regular. Em 99, já não jogávamos de jeito nenhum. Em 2001 eu mudei de estado, e não joguei nunca mais.

Entretanto, continuei acompanhando as notícias relacionadas ao assunto, pelo menos até 2004 ou 2005, quando saiu o Novo Mundo das Trevas (atualmente Chronicles of Darkness). Depois parei de acompanhar de vez, com exceção de uma ou outra notícia que pipocava na minha frente. Finis Africae.

Corta para final de 2020.

Mais uma vez, navegando por canais teoricamente não ligados ao RPG, fiquei sabendo que havia um financiamento coletivo para trazer a edição mais recente de KULT, Divinity Lost pro Brasil.

Cheguei tarde no financiamento, mas aquilo me colocou num loop saudosista e passei as últimas semanas tentando entender o que caralhas aconteceu com o RPG, no Brasil e no mundo, nos últimos 15 anos.

E, pelo que descobri até agora, parece que entre mortos e feridos, salvaram-se todos.

Há uma quantidade bem mais expressiva de estúdios e rpgs indies.

A White-Wolf mudou de controle duas vezes, e sua propriedade intelectual agora é desenvolvida por empresas licenciadas. O Novo Mundo das Trevas foi rebatizado de Chronicles o Darkness, o velho Mundo das Treva voltou meio no sapatinho em 2011, e há uns dois anos saiu a quinta edição de Vampiro: a Máscara, muito elogiada até onde eu vi.

GURPS não entendi direito o que aconteceu. Parece que a edição mais recente foi lançada nos States em 2004, mas o bichinho continua gordo, corado e com saúde.

E no Brasil?

D&D finalmente tem uma quinta edição em pt-BR, depois daquele episódio lamentável.

Parece que tem bastante coisa boa rolando por aqui. Diversos rpgs independentes***, e muita coisa feita em cima de sistemas (ou frameworks) de regras abertos, algo que não existia na minha época (Cof! Cof!).

Descobri que existe a Dungeonist, uma loja BR nos moldes de da DriveThruRPG.

Mas, e daí?

Daí que, apesar dos pesares, não me vejo jogando qualquer RPG de mesa hoje em dia, nem em um futuro próximo, pelo menos não como costumávamos fazer antes.

Mas estou considerando alternativas.

A primeira é jogar com meus meus filhos. E eu tenho três.

Saí à cata de informações sobre rpgs para crianças, e acabei descobrindo esse episódio fantástico do podcast Caixinha Quântica. O entrevistado foi o Ulisses, criador do Instagram RPaiG, que merece meu respeito duas vezes: primeiro pelo assunto abordado. Segundo pelo trocadalho do título. Como eu não pensei nisso antes?

A segunda é jogar no modo que - descobri - costumam chamar de Play by Post (PbP). No meu caso, comecei as pesquisas para usar o Telegram como plataforma. Andei lendo algumas coisas que achei bem interessantes e já consegui alguns voluntários (incluindo dois do meu grupo original). O jogo escolhido foi Orpheus, o último livro de RPG que eu comprei.

E, por falar no meu grupo original, não posso deixar de dizer que sempre fico um pouco melancólico quando penso nele. Dois membros da turma original,
Cristian e Pedro - sim, aquele lá do xerox - já não se encontram entre nós. Estão fazendo falta aqui por aqui, amigos.

Mas, como dizem, a vida segue.

Tenho ótimas lembranças daquela época, e as novas possibilidades me deixaram empolgado.

Quando a tradução do KULT estiver disponível, é bem provável que eu compre uma edição. Pode ser que fique guardada em algum canto da minha estante, como aconteceu com Orpheus e tantos outros livros.  Mas pode ser que eu me anime a jogar "de verdade" mais uma vez.

Quem sabe?

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* O livro foi emprestado para outras pessoas e até onde sei, não teve a mesma sorte.


** Pelo fato do xerocão ser flexível, poder ser dobrado como um caderno e até pelo seu caráter "descartável", ele era muito melhor de manusear do que o livro original.


*** Dois exemplares que me chamaram muito a atenção: Busões e Boletos, cuja edição foi feita pra se parecer com um caderno em espiral, e remete muito, mas muito ao zeitgeist rpgista dos anos 90, e DC&G, que é zoeira sem limites.

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