(Já aviso que daqui em diante os spoilers vão comer soltos, então, se você pretende ler a revista num futuro próximo, é melhor parar já)
Uma moça descobre que seu amigo estava morto porque ele ficou offline no instant messenger que ela acessa através de uma lente de contato. Sim, você leu isso mesmo. Essa é só uma das idéias maluquinhas (pero no mucho) que tempera DOKTOR SLEEPLESS, a mais nova empreitada autoral de Warren Ellis.
O mote por trás da série é: onde está o futuro?Aquele com carros voadores, teletransporte (fótons não valem)ou alienígenas bonzinhos?
E foi isso o que me chamou a atenção. Porque há a pergunta, mas em contrapartida, há uma - presumo - resposta: o futuro é agora!
Se não temos os itens relacionados acima, temos smartphones, nanotecnologia, internet e sei lá mais quais avanços técnicos que são tão ubíquos que mal os percebemos.
É óbvio que tenho em mente que os avanços sociais, os que realmente importam, não acompanham nem de longe os tecnológicos. Mas as mudanças têm que começar por algum lugar, não é?
Essa revista é um filhote ideológico de TRANSMETROPOLITAN, mas sem a pegada cyberpunk-histriônica de Spider Jerusalém e trupe. Aparentemente, é mais, como direi?, contida.
DOKTOR SLEEPLESS, assim como DESOLATION JONES ou FELL (edição 1 inteira no 0800, aqui), é um repositório para todas as bizarrices que Ellis encontra internet afora, mas parece que há uma sintonia maior aqui. Diferente de muito autor consagrado que tem por aí, ele nunca escondeu suas referências. Muito pelo contrário: ele é o rei do ctrl+c, ctrl+v. Só para dar um exemplo, na história SOL POENTE, uma hq de 11 páginas publicada na Pixel Magazine 3, as várias referências ao filme MEN BEHIND THE SUN (ou Hak taai yeung 731, no original. Só para estômagos fortes, pessoal) já começam no título. E isso porque eu nem falei de PLANETARY. Série da qual sou fã, só para nos situarmos.
Warren Ellis é um escritor irregular, mas não se pode negar que ele sempre está um passo à frente da maioria dos seus colegas no que diz respeito à novas propostas e insights sobre o meio.
O ponto mais interessante em DOKTOR é a idéia por trás do título. A edição conta com uma seção chamada DATASHOW, 3 páginas de extras onde Ellis explica melhor alguns conceitos que criou/remixou para a série. Esse mesmo conteúdo vai aparecer no site da revista, que é um wiki, um site que pode ser editado pelos usuários - nesse caso, dentro de certos limites. E, segundo o próprio autor, alguns "verbetes" vão aparecer primeiro no site, outros, na versão impressa, não havendo ordem ou hierarquia muito definida..
Embora esse tipo de obra interativa não seja exatamente novidade (me lembro das notas de rodapé do livro do Rushkoff, mas acho que já ouvi falar de outros casos parecidos), ainda sim dá margem a muitas possibilidades legais.
Agora, pra não dizer que tudo são flores, se Ellis é muito bom na hora de tratar de idéias, já não posso dizer o mesmo quando falo dos seus personagens. John Reindhart, o Doktor Sleepless, opera no mesmo mood cínico e niilista de praticamente todos os protagonistas das séries do Ellis que eu consigo me lembrar, quase como um extensão da rabugenta persona literária que ele criou para si (tenho cá minhas dúvidas de que no mundo real ele seja maleta daquele jeito).
Outra coisa que também me incomodou foram os desenhos, que não são um detalhe tão pequeno se levarmos em conta que histórias em quadrinhos são, eminentemente, um meio visual. Sei lá porque, cismei que a arte seria de Raulo Caceres, que fez a capa "wraparound" (dupla, para os hereges). Não que o traço de Ivan Rodriguez seja ruim, mas, sei lá, achei que não acompanha muito o contexto. Meio caretão mesmo, sacam? A arte mais nervosinha e esquisita de Caceres cairia melhor aqui. Mas isso é opinião de nerd. E vocês sabem como são os nerds, né?
Contudo, DOKTOR SLEEPLESS é um gibi que, por enquanto, vale a pena acompanhar. Nem tanto pelo que é, mas sim pelo que propõe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário