terça-feira, 20 de maio de 2008

ADSENSELESS - Parte 2

Márcio Massula Jr.

Idosos são, em sua grande maioria, neoludditas.

Mas sempre existem as exceções à regra. E, neste caso, a exceção era bem simpática, contudo, devido a sua estatura, obrigava Macanudo a se curvar num ângulo que dentro em breve faria com que caísse e cravasse a cabeça no concreto.
***
Você vai chamar atenção por onde for. Esse é o objetivo. Nunca desvie os olhos de quem estiver olhando para você. Seja simpático. Sorria. Cative as pessoas.

Macanudo não se lembrava em qual momento do treinamento este tópico tinha vindo à tona, mas as palavras do instrutor ribombavam em seu crânio exatamente como no dia em que ele as ouviu.
Após uma semana entre os odores anódinos do Centro de Recuperação da Googolplex, ter as narinas incendiadas pela mistura quase alquímica de sudorese e gás carbônico do mundo real era como tomar um murro no meio do rosto. E foi assim que Macanudo iniciou sua jornada pelo centro da cidade. 

Desorientado, com medo e sentindo dores em lugares bem estranhos.

Era estranho ser o centro das atenções. Ele tentava, na medida em que podia, dar um sorriso bem grande, daqueles capazes de buscar a reciprocidade dos cafundós das personalidades apressadas dos transeuntes. Mesmo assim, a maioria das pessoas simplesmente virava o rosto. O desejo de chegar logo em casa aumentava a cada pedestre que passava direto – o que não era bom para os negócios – até que a exceção estacou-se em sua frente, tombou a cabeça um pouco de lado num gesto de curiosidade, e deixou escapar o mais bonito – e único – sorriso que Macanudo vira naquela manhã.

A exceção, uma senhora que já tinha passado há muito dos sessenta, fez um pequeno sinal com o indicador minúsculo, na direção da testa de Macanudo.

- O que é isto?

Era a deixa. E Macanudo praticamente vomitou o texto que havia decorado durante o curso de preparação na Googolplex.


***

- Olha só os preços disso!

- Disso o quê?

- Meu Deus do céu!

A mulher estende o dedo em direção à tarja de Macanudo, que, sem saber exatamente o que fazer, permanece parado. Ela detém a falange a poucos centímetros da testa de Macanudo.

- Posso?

- Bem...acho que pode sim.

- Você pode se abaixar só um pouco?

Macanudo não sabe o que pensar. Por que a mulher quer tocar sua testa? Ele até entende que há uma curiosidade natural pela novidade, e até esperava esse comportamento de uma criança, mas, bem, isso era estranho. A velha deslizava os dedos por sua testa, talvez experimentando a textura. Inclinado daquela maneira, Macanudo, para amenizar um pouco o constrangimento, fixou os olhos nos sapatos da mulher, duas pecinhas muito delicadas que já haviam saído de moda havia um bom tempo, e, mesmo assim, continuavam impecavelmente bonitos. A mulher dava pequenos toques em sua testa, como se estivesse manipulando um dispositivo touch-screen. E, até onde Macanudo sabia, a tarja não era touch-screen.

- Você não tem um teclado?

- Como?

- Um teclado virtual.

- Hã...presumo que não, senhora.

- Ah!

- O quê?

- Tem sim!

- Tenho?

- Tem. Ele apareceu aqui. Espere só um pouco.

E seguiu-se mais uma sequência de toques na testa. Às vezes a mulher parecia esquecer que atrás daquela tela havia uma cabeça e pressionava tão forte que Macanudo ficava a ponto de perder o equilíbrio. Depois ele se preocuparia com a funcionalidade que desconhecia. O que importava agora era agradar a cliente. Momentos depois, a mulher se deu por satisfeita.

- Obrigado.

- A senhora, hããã...encontrou todos os dados que procurava?

- Bem, na verdade eu estava verificando meus e-mails. Esqueci meu smartphone no escritório. Sabe como é...

- A senhora viu seus emails na minha testa?

- Vi sim. Você não sabia que fazia isso?

- Ah, claro! Sabia sim. É que, bem, os usuários não costumam dar muita bola para esse recurso, sabe? - 
Macanudo tentou disfarçar com um sorrisinho cambeta.

- Certo, certo. Muito obrigado, então. Tchau!

O mulher dá alguns passos e depois vira-se.

- Gostei da novidade!

Esse episódio foi como uma injeção de ânimo. Macanudo passou a sentir-se mais seguro, o que, de certa forma, passou a mesmerizar as pessoas. No restante do caminho - que incluiu uma viagem de metrô - ele seguiu à risca os procedimentos indicados no manual. As pessoas olhavam umas para as outras, paravam e sempre havia aquele mais extrovertido, que acabava tomando a frente da situação e perguntava:

- Mas que porra é essa na sua testa?

***

Obviamente, a primeira coisa que Macanudo fez ao chegar em casa foi ver sua página pessoal na Googolplex para checar quanto tinham lhe rendido as conversas que tivera rua afora. Os créditos ainda não constavam, mas ele sabia que poderia haver um período de vinte e quatro horas até que o saldo do Vetor estivesse devidamente atualizado. Estava no manual. Então ele se lembrou das funcionalidades que desconhecia e ligou para o número que lhe deram.

- Centro de Atendimento ao Vetor. Em que posso ajudá-lo, senhor...Macanudo?

- Como você sabe que sou eu?

- Bom, nós somos o Centro de Atendimento ao Vetor. Este número só é dado aos Vetores. E o senhor é único Vetor, sabe?

- Ahhhh...

- Em que posso ajudá-lo?

- Bom, é meio constrangedor falar isso, mas, bem, me aconteceu uma coisa meio estranha hoje na rua, em minha primeira empreitada, e, bem, vamos lá: eu tenho um browser na minha tarja?

- Tem sim senhor. Assim como um pacote de escritório completo e todo o restante do nosso portfólio. Tudo acessado pelo seu browser, na verdade.

- E porque ninguém me avisou disso?

- É que essa tecnologia foi desenvolvida após sua alta do nosso Centro de Recuperação.

- Mas eu saí de lá faz três horas!

Silêncio no outro lado da linha. Macanudo tem a impressão de ouvir o leve matraquear de um teclado.

- Desculpe, senhor. Isso foi uma coincidência, devo dizer. O senhor não foi notificado?

- Notificado? Como?

- Via email.

- Não, não fui não. Estou com minha caixa de entrada aberta e não há nenhuma mensagem de...
Macanudo se viu obrigado a interromper o comentário quando, repentinamente, surge uma mensagem da Googolplex em seu computador, indicando ter sido enviada quase quatro horas antes.

- Ei, recebi sua mensagem só agora!

- Veja só o senhor. Hoje é mesmo o dia das coincidências, não? Deve ter sido algum problema nos nossos servidores.

- É, deve ter sido mesmo. Tudo bem. Obrigado então. Como é seu nome?

- Pode me chamar de Junior.

- Tá bom, Junior. Acho que ainda vamos nos falar muitas vezes.

- Vamos sim, senhor.

4 comentários:

  1. Muito bom! Adorei as duas partes! Espero a próxima, Masula!

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  2. Grande Massula!
    O desenrolar da história está muito interessante; você escreve muito bem e sabe prender o leitor, Parabéns!

    Tem como eu ser avisado cada vez que sair algo novo aqui?

    Forte Abraço!

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  3. Administrator9:55 PM

    Valeu, Lobão. Obrigado por ter lido.

    Bem, para saber das atualizações há duas opções:

    1) utilizar um leitor de rss. Eu gosto do Bloglines, mas já ouvi falar bem do Google Reader.

    2) se cadastrar na minha newsletter semi-abandonada, onde costumo anunciar minhas estripulias. O endereço é:

    http://br.groups.yahoo.com/group/oroboro/

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  4. Bom, mesmo! E melhor ainda sem pop-under - que é bem mais EVIL que o pop-up - hehehehe ;)

    [ ]'s!

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