terça-feira, 9 de janeiro de 2007

BRISA

Márcio Massula Junior

A culpa é de Hollywood, por criar falsas expectativas. Pelo menos hoje vou poder faltar ao trabalho sem me justificar. Queria pedir uma pizza, mas não vai dar.

Rex está deitado no chão, ganindo baixinho, como faz quando quer carinho. Só que desta vez, ele não está pedindo nada. Está avisando. Avisando que farejou a coisa no ar.

Quando acordei, a eletricidade já tinha ido embora, e os vizinhos disseram que a internet e a tv foram antes. O que resistiu mais foi o rádio.

Algumas pessoas que vieram aqui em casa desfiaram suas próprias teorias (a mídia não teve tempo de despejar as suas), mas eu prefiro acreditar que está acontecendo simplesmente porque já deu o que tinha que dar. Acabou. Game over. C'est finit.

Pela janela vi Cristina, que nunca saiu de casa nem para atender o carteiro, tocar a capainha da casa de Juan, seu vizinho, com quem, imagino, nunca deve ter falado também. Ela entrou e isso foi há meia hora. Devem estar se despedindo em grande estilo. Nilton, o marido falastrão que sempre trazia do serviço um ou dois murros já dedicados à frágil constituição física da esposa ainda continua sentado na calçada, apoiando a cabeça entre as mãos, desconsolado. Agora não adianta mais, não é, camarada?

A única pontada de tristeza vem quando observo os garotos jogando bola distraidamente na rua. Eles não chorarão por amores não correspondidos, não apanharão até ficarem à beira da morte, não ficarão decepcionados quando não conseguirem aquele emprego que, anos depois, amaldiçoariam, não perderão a memória após uma noite de bebida e alcalóides. Mas, se eles parecem não estar nem aí, quem sou eu para me preocupar?

Sempre pensei que seria como nos filmes: as pessoas desesperadas, saques, violência, coisa e tal. Até disseram que está acontecendo isso lá pelos lados do centro, mas aqui, clima mais bucólico impossível. 

Vejo poucos carros passando na rua, todos sem pressa. Não há sinais. Só o horizonte rosado, uma brisa leve e um aperto no coração que me dá vontade de chorar.

Coloco a lata de cerveja no chão. Rex gosta de lamber a umidade que se condensa do lado de fora delas, embora esta aqui não tenha mais nenhuma. Ele lambe assim mesmo, o malandro. Não sei mais o que fazer, então ficamos aqui, tomando nossa última lata de cerveja, olhando um para o outro, enquanto esperamos o fim do mundo.

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