quinta-feira, 3 de agosto de 2006

BIZANGO - CAPÍTULO 5: BIZANGO COMICS


Márcio Massula Jr.

ZUMBÔ era uma HQ estranha. Publicada pela Bizango Comics, uma editora supostamente localizada em um subúrbio de Carrefour, Haiti, era escrita por uma pessoa que assinava Papa Guede e desenhada por outra que atendia por Barão Samedi. Era uma revista independente, impressa numa gráfica secreta só conhecida pelos autores, que temiam represálias por parte de grupos ligados ao governo e ao vodu. 

Poucas pessoas liam, e menos ainda se davam ao trabalho de conjecturar qualquer coisa a respeito da sua origem. Em 1999, sabe-se lá como, um exemplar caiu nas mãos de um dos últimos soldados americanos que estavam deixando o país após a ocupação de 1994. Este soldado, mesmo sem entender uma palavra de crioulo, o idioma falado pela maioria haitiana, gostou do material e resolveu apresentá-lo a um primo dono de uma pequena editora nos EUA. O tal primo, que tinha uma queda por material non-sense, também ficou impressionado com a revista e tentou entrar em contato com os criadores. 

Após uma busca cinematográfica, houve um encontro num terreiro vodu em algum país na América Central (Cuba, dizem as más línguas). Os criadores não apareceram, enviando um extravagante advogado que fechou um acordo que, segundo ele, seria vantajoso para todos. A pequena editora americana seria responsável pela distribuição mundial da revista, seriam os licenciadores do título para todo o mundo, com exceção óbvia do Haiti. Uma das exigências dos autores era que as revistas, independente do idioma ou do país onde fossem vendidas, teriam que ser impressas na gráfica secreta haitiana. Embora tenha relutado um pouco, o editor aceitou o acordo, acreditando que aquilo poderia até favorecer o marketing do título, o que de fato aconteceu. Obviamente, boatos começaram a surgir, alguns dizendo que as tintas utilizadas na impressão das revistas continham sangue de vítimas de rituais de sacrifício humano, ou ainda extratos feitos com plantas desconhecidas e outros ingredientes exóticos, outros dizendo que todo o dinheiro proveniente da venda das revistas era utilizado na compra de armamentos de uma facção radical haitiana que planejava um golpe de estado. O título foi um sucesso estrondoso no mercado americano, normalmente avesso a material estrangeiro que tenha sido produzido fora do Japão. Foi questão de tempo até chegar ao Brasil.

Zumbô (Zumbot, no original) era uma consciência eletromagnética rediviva, uma inteligência artificial deletada injustamente, mas que por um acidente tecnológico, fora recuperada do campo magnético da terra - o verdadeiro paraíso, segundo os autores. O lugar para onde todas as almas, artificiais ou não, iam - e carregada num corpo robótico sucateado, reativado pelo clamor da vingança. Um verdadeiro épico da ficção especulativa, passeava por temas tão diversos como a vida após a morte e analogias referentes a geopolítica haitiana. Tudo regado por um verniz tecnológico contaminado com uma versão muito particular da ideologia vodu. Contrariando todas as regras do meio, a revista, publicada ininterruptamente havia mais de seis anos, não se esgotava. Zumbô já tinha sido enviado a outros planetas, outras dimensões, ao mundo subatômico, ao mundo submarino, tinha voltado ao campo eletromagnético, depois tivera uma breve excursão pelas versões futuristas de alguns países, incluindo o Brasil, transformara-se em ator, em político, teve a memória atacada por um vírus e passou meses (em tempo real) como um mendigo robótico. Depois desenvolvera certa predileção por cpus alheias, o que lhe custou uma temporada num presídio em algum lugar da Sibéria, e atualmente era um ativista pelos direitos dos animais (embora não exitasse em sacrificar alguns para realizar seus protocolos místicos).

Francisco, mesmo atrasado, parou para comprar a edição da revista que acompanhava religiosamente todos esses anos. Era uma das histórias mais aguardadas, AGORA OU NUNCA. Seu Joca já tinha lhe reservado um exemplar como de costume, e ao ver o cliente, sacou o produto com a destreza de um jornaleiro querendo impressionar.

- Tudo bem Seu Joca?

- Opa, tudo Francisco. E você, está bem?

- To meio...passado hoje. Deve ter sido algo que comi ontem.

- Bem, agora que você falou, dá pra perceber que você está meio abatido. Vai pro trabalho assim  mesmo? Por que não tira um dia de folga e vai pra casa ler sua revista sossegado?

- Não, Seu Joca, hoje é um dia muito importante pra mim. Não dá pra faltar. E por falar nisso tô atrasado. Valeu Seu Joca. A gente acerta no dia combinado, beleza?

- Tá bom, meu filho. Vai com Deus então. E boa sorte lá no seu trabalho.

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