domingo, 2 de julho de 2006

S@TYRI.COM

Marcio Massula Jr.

Nihil Obstat

Ela virou-se, lânguida, para conferir as horas. Faltavam 20 minutos. Levantou-se da cama e dirigiu-se ao hall do apartamento monstruoso. Vestia um roupão confeccionado em um tecido caríssimo do qual ela não fazia a mínima questão de lembrar o nome, embora pudesse responder precisamente o valor da pequena fortuna que pagara por ele.

Ao passar pelo escritório, não resistiu à fosforescência do monitor do laptop e, hipnotizada, sentou-se à frente do computador, iniciando uma série de pesquisas pela internet. Tranquilizou-se. A princípio as manchetes econômicas dos principais jornais do mundo não traziam nenhuma novidade que colidisse com seus interesses.  Ela sabia que estava chegando a hora, mas resolveu navegar rapidamente por outros sites de economia pouco mais obscuros, na esperança de não encontrar nada que pudesse abalar seu status quo particular, um velho hábito que o analista diagnosticara como um tipo de compulsão branda, mas que para ela eram apenas ossos do ofício. Na sequência, visitou urls pouco ortodoxas, cuja existência escapava do olhar onisciente de quaisquer buscadores, detendo-se em uma, em particular. Estava avaliando, mais uma vez, o serviço que contratara. Valeria a pena. Mais uma espiada no panorama econômico. Então o interfone tocou. Pontualidade. Ela gostava disso.

- Dona Renata?

- Quem mais poderia ser, Sebastião?

- A senhora me desculpe, é força do hábito. Tem um senhor aqui...

- Mande subir - interrompeu.

- Sim, senhora. Boa noite.

Ela desligou sem se dar o trabalho de responder. Continuou a leitura daqueles algarismos misteriosos à qualquer pessoa não iniciada nas vicissitudes de uma bolsa de valores.

A campainha tocou.

Ela terminou sua pesquisa e dirigiu-se à entrada do hall. A campainha foi acionada apenas uma vez. Paciência. Ela gostava disso.

Abriu a porta que dava acesso ao elevador privativo. Ele estava lá, imóvel, como se fosse mais uma peça da decoração. Ela examinou-o minuciosamente. Era mais baixo que ela, moreno, ou melhor, bronzeado; tinha os cabelos encaracolados e um pouco crescidos; sua barba dava a impressão de não ter se encontrado com nenhum objeto cortante nos últimos três dias, e ele tinha grandes e melancólicos olhos castanhos que, após estabelecido o contato, não se desgrudaram dela. Seus traços faciais poderiam muito bem ser definidos como rústicos, e, em separado, poderia se dizer que possuíam a maioria dos quesitos necessários para que agradassem aos olhos, contudo, faltava harmonia ao conjunto. Pareciam ter sido aglomerados às pressas. Tecnicamente, ele era feio.

- Oi. Não ficou satisfeita? - ele esboçou um sorriso.

- Na verdade não. Mas nós sabemos o motivo pelo qual escolhi você. Entre - ela simplesmente deus as costas, dirigindo-se ao centro do hall - que poderia ser muito bem confundido com um hangar, não fosse a mobília -, desamarrando o roupão de maneira que ele escorresse suavemente, deixando à mostra o corpo esculpido durante horas e horas numa academia de ginástica particular, perdida no fim de algum dos corredores que saíam dali. Ele ficou sem entender muito a atitude da mulher e não lhe restara alternativa além de fechar a porta, que ficou aberta, até que tivesse um vislumbre do que se passava na cabeça dela.

- Não precisa fechar a porta! - ela gritou, já na porta de seu quarto.

- Mas vai ficar aberta?

- Querido, aqui só entra quem eu quero. Venha cá - mais uma ordem do que um convite.

Ele fechou a porta mesmo assim. Depois caminhou até o quarto de Renata, um templo ao culto dela mesma, com espelhos por todos os lados, até mesmo, clichê dos clichês, no teto. Ela estava sentada à beira da cama feita por encomenda por uma carpintaria italiana. Ele pôde perceber que sua pele estava arrepiada, assim como seus mamilos, e ele podia sentir o cheiro no ar, aquele aroma que conhecia tão bem e há tanto tempo. Ela estava excitada.

- Deixa eu ver.

Ele começou a desabotoar o casaco.

- Não. Tire a calça. Eu quero ver.

- Mas...

- A calça, por favor.

- Tá bom. Seu pedido é uma ordem - ele tentou soar o menos irônico possível. Desabotoou a calça e baixou-a de um golpe só, levando junto a cueca. Quando se levantou, ainda pode perceber um pequeno movimento nas sobrancelhas dela, que agora só tinha olhos - literalmente - para seu pau. Conseguiu impressioná-la.

- É, realmente é tudo o que me disseram.

- Desculpe a curiosidade, mas como me descobriu? Foi através do catálogo? Do site?

- Não - ela aproximou-se mais do membro - na verdade quem falou de você foi uma colega sua. Tinha um nome árabe, acho.

- Naiad?

- Essa mesma

- Não é árabe. É grego.

- Como se isso importasse, né?

Havia algo naquela mulher que o incomodava. Talvez aquele ar blasé de quem parecia ver um pinto de quarenta e cinco centímetros todos os dias. Talvez a personalidade extremamente autoritária. Ou talvez, e mais provável ainda, a combinação das duas opções anteriores.

- E então, nosso amigo não vai se manifestar? - o desdém com que ela disse aquilo não contribuiu em nada para quebrar o gelo.

- Bem, é que me sinto meio ridículo assim de casaco e...

- Mas você é um profissional ou não?

- Sou, mas é que... - ela interrompeu-o com um gesto e pegou um pequeno controle que tirou sabe-se lá de onde. Apertou alguns botões e as luzes do teto apagaram-se, permanecendo apenas a iluminação de alguns abajures estrategicamente dispostos segundo alguma variação nefanda do feng-shui. Outro botão ligou o sistema de som, que inundava o quarto com uma música que ele imaginou ser Marvin Gaye, mas não era.

- Está melhor agora?

- É, eu gostei - o comentário foi sincero e ele terminara de se despir.

- Existe uma pequena geladeira ali no canto, se você quiser beber algo antes - ela apontava para um 
canto do quarto, já deitada.

- Nada de álcool. Não é bom para a concentração. E eu sou um profissional, como a senhora bem observou. A propósito, quer que eu pegue alguma bebida? Não para mim, digo.

- Não. Apenas satisfaça-me.

O membro dava sinais de vida, erguendo-se um pouco mais a cada latejada.

Com os dedos de uma mão, ele separou bem os grandes lábios, e com os da outra começou a estimular seu clitóris, fazendo-a contorcer-se ligeiramente, denotando mais incômodo do que prazer. Ou pelo menos era o que parecia. Então ele pediu que ela subisse um pouco em direção à cabeceira da cama, e ele deitou-se de bruços sobre a cama, agora trabalhando com a língua, rápido, e ela finalmente deu sinais de que saíra daquele estado letárgico, agarrando-o pelos cabelos e puxando sua cabeça com força, enquanto ele acelerava os movimentos da língua. Ela começou a gemer baixinho, e vez ou outra soltava um palavrão que ele não conseguia entender completamente. O gosto da volumosa lubrificação vaginal dela serviu de estímulo para que sua língua se transformasse numa hélice, o que, por sua vez, fez com que os gemidos se transformassem em urros, até que, sem mais nem menos, ela afastou a cabeça dele com um chute.

- O pau - ela disse, arfando. Ele aproximou-se e ela pegou-lhe o pênis, semi-ereto, e começou a masturbá-lo, segurando-lhe pela ponta, tendo um cuidado todo especial em revelar totalmente a glande, para cobri-la outra vez numa sucessão que a ele parecia infinita, sem que necessariamente estivesse sendo incômoda ou precisasse parar naquele momento. Mas parou.

Ela agora puxava o prepúcio, deixando a glande mais uma vez exposta, e aproximou a ponta da língua do orifício do canal da uretra, para se afastar em seguida.

- Não.

- Senhora, posso lhe garantir que somos examinados periodicamente e não há necessidade...

- Eu disse não, será que você não entende? Trouxe camisinha?

- Bem, não. É que... - o mastro já desfalecia vagarosamente.

- Como não trouxe? Onde você acha que vive, querido? Toma essa aqui - ela arremessou um preservativo que tirou de uma das inúmeras gavetinhas de um criado mudo que, para não destoar do restante, parecia ser muito caro.

Ele olhou para o objeto em suas mãos, sem saber o que fazer ao certo com aquilo.

- Você não vai colocar?

- É que...eu não estou habituado a usar...na verdade sou novo no ramo e...

- Alôô!!!! Estamos no mundo das DSTs, lembra? Me dá isso! - ela tomou o pequeno envelope de suas mãos, rasgando-o com destreza.

- Venha cá - ela pegou o membro, já mole, e com uma habilidade fora do comum, colocou o preservativo. Ele se sentia cada vez mais constrangido. Antigamente não era assim, pensou.
Ela observava o pinto, já emborrachado, e ria, ria bastante. O preservativo cobria pouco mais de um terço da “ferramenta”. Ele já tinha as faces enrubescidas - o que ela não percebeu devido à pouca iluminação - e começava a suar frio.

- Acho que isso não vai dar certo. Espere - ela se levantou e desapareceu atrás da porta do que ele imaginava ser um banheiro ou closet (sempre se confundia com esses termos). Passaram-se alguns minutos até que ela voltasse.

- Pronto. Agora você já pode vir.

Ela deitou-se de costas na cama, abrindo as pernas, e ele não pôde deixar de notar o grande anel de borracha que ornava sua buceta.

- É uma camisinha feminina, meu caro. Nunca viu? Venha. Rápido! Pelo menos uma coisa boa essa noite tem que ter.

Ele aproximou-se, ela pegou seu pau e encaixou-o na entrada de sua vagina.

- Vá com calma, parceiro. Sabe manobrar essa coisa aí, né?

Ele fez que sim com a cabeça e começou a estocá-la delicadamente, aumentando a frequência à medida que ela parecia mais excitada. Mais uma vez, ela interrompeu o ato de forma brusca - Sai! - e, sem aviso, postou-se de quatro na cama, e ordenou que ele a penetrasse. E ele obedeceu.

Ele movimentava-se delicadamente, e ela reclamou:

- Puta que pariu!, vai mais rápido.

Ele aumentava a velocidade, e ela reclamou:

- Cacete, tá me machucando!

O pênis, momentos antes arquetípico em seu volume, agora já estava semiflácido, escapando um número de vezes que ele julgou constrangedor e ela, inconveniente. E foi quando se virou para reclamar mais uma vez que ela viu, pela imagem refletida no espelho.

E, naquele momento, a única coisa que lhe ocorreu foi gritar.

XXX

- Isso nunca aconteceu comigo antes...

- Tudo bem.

- Acho que me desconcentrei. Não sei explicar.

- Tudo bem.

Ambos estavam sentados em lados opostos da cama, cabisbaixos. Ela queria perguntar sobre a imagem do espelho, queria saber se ele era o dono daquelas pernas peludas e caprinas e daqueles - céus! - chifres. Se o homem transfigurado, ou melhor, desfigurado que a fodia no espelho era aquele mesmo que estava ali, amuado, tentando justificar o sumiço de sua ereção. Mas tinha medo da resposta.

- Se a senhora quiser, podemos lhe devolver o dinheiro e...

- Não. Acho que o problema foi comigo. Mas gostaria que você fosse embora.

- Tudo bem - ele se levantou da cama e começou a vestir as roupas. Ficou em dúvida se deveria se despedir ou não, e chegou a estender a mão, mas de sua boca não saiu nenhuma palavra, e como ela continuou de costas, achou melhor ir embora sem dizer nada.
Ela aguardou até ouvir o barulho da porta se fechando. Esperou alguns minutos e ligou para a portaria, confirmando com Sebastião que o cavalheiro já havia se retirado. Uma pequena precaução, afirmou para si mesma.

Levantou-se, ainda nua, e foi até seu escritório, sentando-se em frente ao computador que continuava ligado. Era tarde, e a bolsa de Tóquio já devia estar num momento significativo do dia. Os números realizavam seu balé aritmético e aquilo, aos poucos, fez com que se esquecesse da imagem do espelho, suprimindo-a com outro tipo de prazer que, por vias tortas, despertou-lhe novamente a libido.

Aquela noite teria que se satisfazer sozinha.

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