segunda-feira, 31 de julho de 2006

BIZANGO - CAPÍTULO 2: MAIS VALE UM PÁSSARO NA MÃO...

Márcio Massula Jr.

Ainda estava quente. Ainda estava quente e pulsava.

Francisco evitava olhar para sua mão esquerda. Ele nunca imaginou que fosse tão grande. Ou tão feio. Deu um grito que teria assustado os outros moradores do apartamento, caso alguém mais morasse com ele, claro. Aquilo não estava acontecendo, só podia ser um pesadelo, um daqueles típicos pesadelos hollywoodianos, sonhos dentro de sonhos, pesadelos dentro de sonhos e não precisamos de mais exemplos. Creio que vocês acompanharam, não?

Armado com todo o repertório que conseguiu resgatar em sua mente - àquela altura, já dando indícios de não estar funcionando como se esperava - ele tentou todos os métodos que conhecia para comprovar se estava num sonho ou não. Primeiro, o mais óbvio. Se beliscou. Delicadamente. Na dúvida, repetiu o procedimento, dessa vez com mais força. Doeu. Ainda era cedo para desistir, pensou, e beliscou-se novamente com a mão direita. Doeu pra caralho. Teve que admitir que o próprio subconsciente seria um adversário de valor, um páreo duro, e como a força bruta não deu resultados, resolveu dar uma guinada na estratégia e apelou para métodos mais sutis. Tinha visto filmes e lido quadrinhos o bastante para saber que algum deles certamente funcionaria. Agora a estratégia era negar o que estava acontecendo. Fechar os olhos e imaginar-se acordando às sete, exatamente como vinha fazendo durante todos esses anos. Após desligar o despertador pela terceira vez (bem-aventurados sejam os inventores da tecla "snooze", porque deles é o Reino do Céu), ele se levantaria, iria ao banheiro, urinaria ainda sonolento - provavelmente errando por milímetros a privada -, depois ligaria o chuveiro e, enquanto a água esquentava, separaria todo o material necessário: escova de dentes, creme dental, barbeador, loção, e mais alguns cosméticos. Um banho rápido mas agradável, e depois ele iria para sua minúscula cozinha preparar algo para forrar o estômago até a hora do almoço. Desceria os três andares que separavam seu apartamento do solo e entraria no seu estiloso Maverick. Enfrentaria uma hora e meia de trânsito ou, em outros termos, gastaria um quarto do tanque de combustível e chegaria ao tão prezado ambiente de trabalho, com sorte, escapando de ser abalroado pelo chefe, que sempre tinha uma C.R. na ponta da língua, sendo Francisco culpado ou não.

Seu corpo relaxara, podia perceber, e agora precisava apenas abrir os olhos e cumprir sua rotina diária.

Abriu.

A coisa ainda estava lá.

Não desista, Chico, disse para si. Outras tentativas vieram. Gritou com um inimigo invisível, pediu perdão a Deus pelos seus pecados, e numa tentativa desesperada bateu os calcanhares três vezes e disse em voz alta "não há lugar melhor que o lar".

Desistiu. Era verdade. O pior tinha acontecido e teria que aceitar. Restava saber o que fazer com aquele pedaço de carne agora flácido em sua mão esquerda. Teria que dar muitas explicações constrangedoras, certamente. E a questão mais importante de todas: seria possível reimplantarem o seu pênis?

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