segunda-feira, 31 de julho de 2006

BAÚ DA GRAFIPAR

Gian Danton e Leonardo Santana estão fazendo um trabalho arqueológico pra lá de interessante: criaram um blog cujo assunto é a história da já defunta editora curitibana Grafipar, que se diferenciou na época por apostar pesado em quadrinhos nacionais e até hoje é tida como referência no meio. Dá uma olhada lá, peixe.

BIZANGO - CAPÍTULO 2: MAIS VALE UM PÁSSARO NA MÃO...

Márcio Massula Jr.

Ainda estava quente. Ainda estava quente e pulsava.

Francisco evitava olhar para sua mão esquerda. Ele nunca imaginou que fosse tão grande. Ou tão feio. Deu um grito que teria assustado os outros moradores do apartamento, caso alguém mais morasse com ele, claro. Aquilo não estava acontecendo, só podia ser um pesadelo, um daqueles típicos pesadelos hollywoodianos, sonhos dentro de sonhos, pesadelos dentro de sonhos e não precisamos de mais exemplos. Creio que vocês acompanharam, não?

Armado com todo o repertório que conseguiu resgatar em sua mente - àquela altura, já dando indícios de não estar funcionando como se esperava - ele tentou todos os métodos que conhecia para comprovar se estava num sonho ou não. Primeiro, o mais óbvio. Se beliscou. Delicadamente. Na dúvida, repetiu o procedimento, dessa vez com mais força. Doeu. Ainda era cedo para desistir, pensou, e beliscou-se novamente com a mão direita. Doeu pra caralho. Teve que admitir que o próprio subconsciente seria um adversário de valor, um páreo duro, e como a força bruta não deu resultados, resolveu dar uma guinada na estratégia e apelou para métodos mais sutis. Tinha visto filmes e lido quadrinhos o bastante para saber que algum deles certamente funcionaria. Agora a estratégia era negar o que estava acontecendo. Fechar os olhos e imaginar-se acordando às sete, exatamente como vinha fazendo durante todos esses anos. Após desligar o despertador pela terceira vez (bem-aventurados sejam os inventores da tecla "snooze", porque deles é o Reino do Céu), ele se levantaria, iria ao banheiro, urinaria ainda sonolento - provavelmente errando por milímetros a privada -, depois ligaria o chuveiro e, enquanto a água esquentava, separaria todo o material necessário: escova de dentes, creme dental, barbeador, loção, e mais alguns cosméticos. Um banho rápido mas agradável, e depois ele iria para sua minúscula cozinha preparar algo para forrar o estômago até a hora do almoço. Desceria os três andares que separavam seu apartamento do solo e entraria no seu estiloso Maverick. Enfrentaria uma hora e meia de trânsito ou, em outros termos, gastaria um quarto do tanque de combustível e chegaria ao tão prezado ambiente de trabalho, com sorte, escapando de ser abalroado pelo chefe, que sempre tinha uma C.R. na ponta da língua, sendo Francisco culpado ou não.

Seu corpo relaxara, podia perceber, e agora precisava apenas abrir os olhos e cumprir sua rotina diária.

Abriu.

A coisa ainda estava lá.

Não desista, Chico, disse para si. Outras tentativas vieram. Gritou com um inimigo invisível, pediu perdão a Deus pelos seus pecados, e numa tentativa desesperada bateu os calcanhares três vezes e disse em voz alta "não há lugar melhor que o lar".

Desistiu. Era verdade. O pior tinha acontecido e teria que aceitar. Restava saber o que fazer com aquele pedaço de carne agora flácido em sua mão esquerda. Teria que dar muitas explicações constrangedoras, certamente. E a questão mais importante de todas: seria possível reimplantarem o seu pênis?

domingo, 30 de julho de 2006

BIZANGO

Oi!

Só pra dar um toque: tem histórinha nova lá no TXT.

BIZANGO nasceu uns dois anos atrás, de uma brincadeira de um grupo de escritores do que acabou não decolando. De qualquermaneira acabei deixando minha parte escondida num recôndito do meu HD e, dando uma fuçada hoje pensei: "por que não?"

BIZANGO uma série, dividida em pequenos capítulos, e é minha primeira experiência no sentido de escrever algo sem saber onde vou chegar. Tenho notas, tenho alguma coisa já pronta e uma vaga lembrança da intenção original. Mas acho que pode ser divertido.

E, só pra refrescar vossas memórias, o TXT fica aqui, ó.

BIZANGO - CAPÍTULO 1: O HORROR

Márcio Massula Junior.
Foi lindo.

Um menáge a trois onírico; Jennifer Lopez e Heather Michaels nos cantos do ringue e ele, Francisco, no meio. Suas estripulias teriam rendido material para um suplemento ao Kama Sutra, que daria dores de cabeça mesmo a um iogue experiente.

Então, o relógio despertou. Sete da manhã. Hora de levantar e ir para a empresa. Hoje era o grande dia e ele não podia se atrasar, de maneira alguma. Mas antes, uma pequena homenagem às duas musas.

Flic-floc, flic-floc, assim!, assim!,  flic-floc, flic-floc, flic...

Plop!

O horror, o horror.

quinta-feira, 27 de julho de 2006

UN TAL DANERI

Capa de UN TAL DANERI

Impressa num formatão pra lá de grande, em p&b com uns tons de cinza que achei cabulosos (e que até agora não sei se foram retículas bem vanguardistas para a época, ou se foi o bom e velho Photoshop), UN TAL DANERI, primeira colaboração entre o roteirista Carlos Trillo e a lenda argentina Alberto Breccia, “El Viejo”, já começa desconcertante por toda a expectativa que provoca.

São 8 histórias curtas, variando de 4 a 8 páginas, que contam a história de do tal Daneri (acharam que eu ia deixar passar essa, hein?), um gângster portenho que parece ser muito mais do que aparenta. Daneri, anagrama para Dante Alighieri, tem um faro especial para se meter em enrascadas e tragédias dignas de letra de tango. E os autores não negam que Borges foi a principal influência na hora de compor o personagem. Aí, já viu, né?

Das seis hqs, duas em especial (NÉLIDA e OJO POR OJO) são do tipo tapa no ouvido. Mas, apesar de eu ser fanzaço do Trillo, tenho que admitir que quem conduz tudo é mesmo Breccia. O palco principal é Mataderos, bairro de Buenos Aires muito caro a Breccia, e as histórias se passam numa época indeterminada.

O personagem só tem essas histórias, publicadas aos pouco, originalmente entre 1974 e 1978, em diversas revistas, argentinas e italianas, e esse álbum é a primeira reunião de todo o material no mesmo lugar. Segundo os autores, só não houve continuidade porque ninguém se interessou em continuar publicando. Mas todas as histórias são autocontidas.

A edição conta ainda com uma matéria introdutória e alguns esboços. Vale a pena.

O único senão fica pela curiosidade de saber até onde os dois autores teriam levado o personagem, caso tivessem seguido com ela.

P.S.: A série HISTÓRIETAS ARGENTINAS vai continuar assim agora, aos poucos, a medida em que eu for lendo o material. Decidi que fluirá melhor dessa maneira.

LE DÉCALOGUE


O texto abaixo é o comentário do camarada Pedro “Hunter” Bouça, mantenedor da lista de discussão EuroQuadrinhos (de onde foi extraído o texto, com a devida permissão) e também tradutor de XIII, do primeiro volume de ALDEBARAN, do vindouro BLUEBERRY e de otras cositas más.

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Há uma característica no quadrinho franco-belga que
perdura até os dias de hoje: O artista é a parte mais importante da
equipe criativa. Não há Goscinny, Charlier ou Jodorowsky que mude
essa tendência, cada série tem um artista fixo que dedica um ano de
sua vida (em média) desenhando (e às vezes também escrevendo,
colorindo e/ou letreirando) um álbum. Como substituições de
artistas são muito raras (até porque os personagens geralmente
PERTENCEM a seus criadores!), a identidade visual de uma série é
bem distintiva. Só se consegue imaginar o Lucky Luke desenhado pelo
Morris, o Asterix desenhado por Uderzo ou o Tintim desenhado por
Hergé. De uns tempos para cá a situação começou a mudar, mas ainda
funciona muito assim.

Frank Giroud, porém, decidiu mudar tudo.

Escritor de quadrinhos até então pouco conhecido, Giroud (nenhuma
relação com Jean "Moebius" Giraud) ofereceu à editora Glénat um
projeto ambicioso: Uma série em 10 volumes e com 10 artistas
diferentes, mas unida pelo roteiro e publicada em um espaço de
tempo pouco usual no quadrinho franco-belga (os 10 álbuns seriam
publicados em cerca de 2 anos, algo impossível nas séries assinadas
por um único artista).

O conceito era tão ambicioso quanto o projeto: Anos antes do Código
da Vinci, Giroud idealizou uma trama religiosa. Na história, o
profeta Maomé teria escrito (em uma omoplata de camelo) um decálogo
- ou seja, um conjunto de 10 mandamentos para a fé muçulmana, tal
como existe um para a fé cristã - que teria sido escondido dos
fiéis por seus sucessores, até, depois de um caminho longo e
turtuoso, chegar até nossos dias em uma versão romanceada, o Nahik,
que vai parar nas mãos de um escritor fracassado, que vê nessa
história uma chance de finalmente emplacar um sucesso.

Essa é a trama do primeiro álbum, sendo que os 10 álbuns
subsequentes recuam progresivamente no tempo até chegar ao "começo"
da trama, no tempo do próprio Maomé. Para além de se relacionarem
via a trama principal, os álbuns também têm como "tema" individual
cada um desses dez "mandamentos". Um curioso desafio para o
escritor, mas será que ele conseguiu?

Bem, ao menos os dois que eu li até o momento foram bem
interessantes. Na França a série conseguiu vendas (acumuladas, bem
entendido) na casa dos milhões e já gerou dois spin-offs (estes
séries mais convencionais), todos escritos por Giroud que, no
processo, tornou-se um escritor conhecido (atualmente desenvolve
uma outra série de múltiplos artistas, mas dessa vez girando em uma
única trama com diversos pontos de vista, Le Quintett, para a
editora Dupuis, em cinco volumes).
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Depois de ler isso, claro que eu corri para o site de Glénat para conferir a parada e apesar do meu francês inexistente, além da premissa (e também da – com o perdão do trocadalho - gênese) bacana que o Pedro deu de bandeja aí em cima, a série é visualmente interessante. Pena que essas paradas não cheguem nem perto daqui.

GRANT MORRISON E DEEPAK CHOPRA

Lá em San Diego. O vídeo completo (1h e 27min) tá aqui.

Tio Hector foi quem deu a letra.

GRANT MORRISON E DEEPAK CHOPRA

Lá em San Diego. O vídeo completo (1h e 27min) tá aqui.

Tio Hector foi quem deu a letra.

segunda-feira, 10 de julho de 2006

CURSO DE GRADUAÇÃO – PRODUÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Sidney Gusman já tinha tocado no assunto em sua coluna da revista Wizard do mês passado, mas hoje, numa lista de discussão, veio a notícia, diretamente de Hélio Lopes, editor da Pixel Quadrinhos e coordenador do novo curso de Produção de Histórias em Quadrinhos.

Ainda é cedo pra dizer se vai representar algo concreto nesse nosso mundinho das hqs, mas a notícia é boa e quer dizer que tem MAIS gente levando nossa arte preferida a sério.

Vejamos, vejamos.

MISO SOUP

Com o perdão do trocadilho, uma delícia. É de um Murakami, mas não desse que você está pensando.

Me empolgou mais, a propósito, do que TRANSEUROPA, que tem a premissa interessante, mas peca na execução.

Ficarei de olho puxado nesse tal de Ryu Murakami. Ficarei sim.

E agora, de volta ao limbo. Tchau.

EM TEMPO: Sei lá porque, sempre que penso em Frank, o turista americano, me vem à mente o rosto de Warren Ellis, roteirista-chorão inglês por quem, com certas reservas, sinto admiração.

domingo, 2 de julho de 2006

TXT

Pessoal, as falanges proximal, média e distal voltaram a funcionar com um mínimo de harmonia, e minha mais nova caixinha de areia pode ser encontrada na url:
Por enquanto estou recauchutando algumas coisas que já deram as caras em outras plagas digitais, mas dentro em breve pintarão os inéditos. Depois, se quiserem dar uma conferida, apontem seus browsers nessa direção e pá!
Obrigado pela atenção e voltem sempre.

O DRIVER DE PANDORA

Marcio Massula Jr.

- Então Sr... – o homem apertou os olhos, aproximando a folha do rosto. Certamente não enxergava direito, embora não usasse óculos - ...Gilberto. É isso mesmo?

- Sim, senhor. Gilberto – Limitou-se a responder o rapaz.

A sala era decorada num estilo clean, toda branca, com apenas duas cadeiras, uma mesa, um computador - do qual eram visíveis apenas o teclado e o monitor - e vários armários, todos também imaculadamente brancos. Gilberto pensou que talvez fosse para combinar com a roupa do Sr. Prudente, o entrevistador. Porém, o que chamava a atenção era a disposição da mobília naquela sala. Gilberto estava de costas para a imensa janela, que ocupava quase toda a extensão da parede, cuja vista abraçava a cidade até que ela se perdesse no horizonte. Até onde sabia, o usual era sentar-se de frente à porta. A mesa do Sr. Prudente, contudo, ficava de frente para a janela. Ele devia apreciar muito aquela vista.

- Vejamos...doutorado em física aos 23 anos...especialização em mecânica quântica...impressionante. Realmente impressionante. Temos um gênio aqui, hã? Realmente impressionante... – Repetia Prudente, sem tirar os olhos do currículo. – Li seu artigo, Evitando a formação de pares aniônicos espúrios através de uma topologia computacional quântica repensada. Fascinante! Deve ter dado trabalho verter aquilo para o mandarim, não?

- Hã...acho que não fui eu quem escreveu isso...

- Como? Ah, sim! Me desculpe! Não sei onde estava com a cabeça. Nosso cronograma está me matando. Esse é outro garoto. Você é o menino dos sistemas heurístico-caóticos. Do blog, não é?

- Isso.

- Bem, Sr. Gilberto. Algum problema se eu chamá-lo apenas de Gilberto? Não? Ótimo! Como sabe, nossa empresa atua no ramo de softwares técnicos e de segurança. E, de uns anos para cá temos enveredado pela internet. Mas você já deve saber disso, não é? Hoje em dia, sabe como é, a informação é a moeda mais valiosa do mundo. Na verdade ela tem o poder de mudar o mundo. E nós da APSE não podemos ficar de fora dessa corrida, concorda?

Gilberto balançou a cabeça afirmativamente.

- Daria pra ver esse sinal de interrogação estampado em sua testa do outro lado da rua. Estou fazendo todo esse rodeio pra chegar num ponto. Você! – O Sr. Prudente, como um Tio Sam decrépito, apontava o indicador inquisitorial para o rapaz e o murro que deu na mesa só deixou a situação mais espalhafatosa. – Você Gilberto! Você é a peça-chave nesse jogo! E nós queremos você do nosso lado!

O rapaz ficou meio assustado com o comportamento do hipotético patrão, mas aquela fugaz sessão de massagem em seu ego fez com que se acalmasse um pouco. Só um pouco. - Gilberto, meu querido, o quanto você entende de computadores? – Perguntou o velho, menos agitado, esfregando a palma de uma de suas mãos enrugadas nas costas da outra.

- Bastante – Gilberto sentia que estava pisando em terreno conhecido agora.

- Entenda Gil...posso te chamar de Gil? – Gilberto permitiu-se dar um pequeno sorriso. Se o presidente da empresa era assim, o que dizer do resto. Ele estava realmente gostando daquele lugar.

- Pode sim senhor – Gilberto havia abandonado a posição ereta inicial e já se acomodava confortavelmente na cadeira.

- Entenda Gil, que a pergunta que lhe fiz agora é totalmente retórica. É óbvio que conhecemos sua habilidade com os computadores. Você e mais quatro foram selecionados entre aproximadamente dez milhões de garotos. Sabe o que é isso? Você simplesmente deixou dois milhões de concorrentes para trás, ou melhor, um milhão, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e nove para ser mais exato.

Gilberto sentiu-se tenso novamente, mas dessa vez era uma tensão diferente. Era boa. Ele não sabia a respeito do número de concorrentes. Optara por não tentar invadir os sistemas da APSE. Eles eram os melhores do mundo. Além disso, escolhera fazer os exames normalmente, sem saber as respostas com antecedência. Pensou que poderia ser bom um pouco de adrenalina no dia das provas.

- Diga-me, você chegou a instalar o software que lhe demos?

- Sim, claro. Interessante aquela interface gráfica – Gilberto já estava à vontade o suficiente para emitir um comentário com mais de três palavras. Preferiu não dizer nada sobre o vírus que encontrou no cd.

- E o que você sabe sobre mim ou sobre a APSE, Gil?

Além de ser um investidor que surgiu do nada cinco anos atrás para se tornar dono de uma das maiores desenvolvedoras de programas para aplicações científicas, militares e industriais? Nada.

- Sei o que foi publicado na internet e passou na televisão.

- Ótimo! Ótimo! Tudo bem, eles não tem consciência do real propósito da APSE, mas não costumam se distanciar muito da verdade. Gil, você acredita em Deus?

Empresas modernas costumam levar em conta outros atributos dos seus potenciais funcionários. À primeira vista, a crença em Deus não tinha muito a ver com o desenvolvimento de programas para computador. Partindo desse princípio, Gilberto tomou fôlego e se preparou para a saraivada de perguntas sem nexo que estariam vindo na esteira desta. Talvez “qual é o seu prato predileto?”, ou então “já conheceu pessoalmente alguém com complexo de Édipo?”, ou ainda “em que posição costuma dormir durante os fins de semana?”, além da indefectível “por que você seria a melhor escolha para esse cargo?”. A grande maioria das pessoas não tinha uma resposta concreta para a última. Mas era um preço barato a se pagar por um emprego daqueles.

- Acredito...mais ou menos. Bem, acredito em Deus mas...é que...

- Tudo bem garoto – Atalhou o velho. – Creio que entendi seu ponto de vista. E no apocalipse, Gil, no fim do mundo, você acredita?

Gilberto sorriu, mais por estar certo quanto às perguntas vindouras do que por simpatia.

- Sei lá...vai acabar um dia não vai?

- Ah, sim, vai acabar, claro. Mas temo que seja bem antes do que você imagina – Disse o velho, arregalando os olhos, deixando sua testa ainda mais enrugada do que o normal. Continuou olhando para o jovem, esperando alguma reação ou palavra. Gilberto não disse nada, limitando-se a vasculhar a sala com os olhos, procurando um bom motivo para não encarar o velho. Os alarmes começaram a disparar em algum lugar do seu cérebro.

- Rá, vocês humanos! Sempre tão céticos e cobertos de razão. Basta que sejam ditas algumas palavras com um pouco de firmeza e pronto, lá se vão todas as convicções que vocês têm a respeito da vida e do mundo – O Sr. Prudente dizia aquilo mais para si mesmo do que para Gilberto, que aproveitou a pausa e perguntou, tímido:

- Desculpe Seu Prudente, mas o que isso tem a ver com meu emprego?

- Oh, mas tem tudo a ver com seu emprego meu caro. Tudo a ver... – Interrompeu sua frase com uma careta, levando a mão ao abdômen. – Desculpe, é meu fígado. Sempre tive problemas com ele.
Gilberto então atribuiu a quantidade excessiva de rugas no rosto e vasos sanguíneos rompidos próximos ao nariz não só à idade, mas também ao álcool. Teve vontade de rir com sua conclusão, mas conseguiu ficar sério.

- Já ouviu falar de algoritmos genéticos? Sistemas emergentes/imunológicos? Redes neurais? Reconhecimento de Padrões? – Perguntou o entrevistador, já recobrado do repentino surto.
Programas evolutivos, que se “melhoram” sozinhos a cada nova geração. Sistemas que decidem suas “metas” sem que essas sejam pré-estabelecidas. Malhas binárias que emulam o funcionamento do cérebro humano. Os alicerces para a criação da inteligência artificial. Ferramentas para que criação de programas avançados. Programas que dariam um nível de flexibilidade inimaginável a robôs industriais, por exemplo. Programas que poderiam fazer simulações com precisão quase total sobre o comportamento de sistemas como a bolsa de valores, variações climáticas ou mesmo o humor das mulheres com TPM. Programas que poderiam se tornar supervírus semi-inteligentes e altamente reprodutivos. Gilberto conhecia um pouco desses assuntos. Chegou a utilizá-los, de maneira rudimentar, em algumas de suas obras.

- Já, já ouvi falar sim senhor.

- Então deve saber que são ferramentas, métodos, utilizados no desenvolvimento de IA?

- Hã...mas, até onde sei, os progressos nessa área ainda não condizem com as reais possibilidades oferecidas – Disparou, tentando impressionar o futuro chefe.

- Ah não! Já existem softwares desse tipo poderosíssimos. Como o vírus que você eliminou ontem do seu computador...

Gilberto retesou-se na cadeira. Como aquele velho sabia? Talvez fosse um blefe. Ou melhor, um teste. Isso, um teste. Eles queriam saber se estavam contratando um cara bom mesmo.

- Esse era o vírus primário. Existia um secundário... – Prosseguiu o Sr. Prudente.
“Deletei esse também”, pensou Gilberto

- ...que também foi deletado por você imagino. Obviamente, dois chamarizes. O programa continha um vírus terciário, que tinha a única função de nos informar sobre seus progressos quanto aos outros dois...

- ...

- E, por último, mas não menos importante, o quarto vírus, auto-replicante (vocês chamam isso de worm, certo?) que segundo minhas projeções, já deve ter infectado alguns milhões de computadores ao redor do mundo, espalhando-se como um câncer binário por toda a internet. Será questão de horas, ou dias no máximo, até que atinja o alvo principal...

– Hã...olha Seu Prudente....o senhor está dizendo que usou meu computador pra espalhar um vírus por todo o mundo, certo? Bem...não me leva a mal nem nada, por favor, mas acho difícil de acreditar nisso, sabe? Tenho tudo quanto é tipo de firewall e antivírus que o senhor pode imaginar. Alguns eu mesmo inventei. Se houvesse outros vírus eu...saberia.

- Será que não entende Gil? A simplicidade de tudo isso? Enquanto você estava ocupado se divertindo com os dois vírus que encontrou, os outros dois estavam fazendo seu trabalho, escondendo-se e multiplicando-se dentro de sua máquina, aguardando a hora exata para escapar. Além disso, existem pessoas que estão no seu nível. Ou estavam...
Era um teste, tinha que ser.

- Hmmm....tá bom. Suponhamos que esses dois escaparam mesmo. Qual seria o objetivo do vírus quatro, então?

O velho olhou para a mesa, por longos segundos. Tamborilava os dedos, produzindo um ruído harmônico, ligeiramente agradável. Depois, juntou as mãos em frente ao corpo, de modo que as pontas dos polegares ficassem opostas uma à outra. Ergueu os olhos, encarando Gilberto. Era a primeira vez nesses vinte e poucos minutos que seu rosto assumia um ar sisudo, quase sombrio.

- Deixe eu lhe contar uma versão bem resumida da história: certo dia, alguém teve a idéia de criar vocês, humanos.

Era a segunda vez em que ele dizia aquilo. Humanos.

- Então, as coisas começaram a ficar confusas. Vocês começaram a ficar rebeldes, se multiplicavam rapidamente e o Criador, uma pessoa de visão, se é que podemos dizer assim, percebeu que dentro em breve, as coisas sairiam do controle. É aí que nós entramos. Viemos para tentar colocar um pouco de ordem na casa, por assim dizer.

- Vocês? Hã...como assim?

Já era possível notar certa empolgação no tom de voz do Sr. Prudente.

- Bem, cada um de nós teve um nome diferente, dependendo da região e da época onde estávamos. Talvez você tenha ouvido um ou outro por aí. Mas o que importa é que sempre gostei de vocês. Sério mesmo. Se não fosse assim, não teria lhes dado o fogo (que me causou certo embaraço na ocasião, devo dizer) o segredo da escrita, a roda, a pólvora, a eletricidade, a fissão atômica, a internet e a pornografia. Como eu nunca cultivei o hábito de consultar meus associados, a bomba estourou em minhas mãos e aqui estamos nós. Agora eu tenho que dar um jeito no problema que em parte é responsabilidade minha.

- Hmmm...olha seu Prudente, não tô entendendo aonde o senhor quer chegar...

- Calma, calma – Disse o velho, com a mão espalmada apontada para Gilberto – Já estamos chegando lá. Lembra-se do que lhe disse sobre o fim do mundo? E se você soubesse que o início do fim (perdoe a expressão. É horrível, eu sei) deveria ser amanhã, às 5:17 da manhã, horário local? O vírus quatro, aquele que você não conseguiu localizar a tempo, a essa hora já deve ter entrado em pelo menos um dos computadores da força aérea americana. O objetivo é que dentro de poucas horas alguns silos nos cafundós do Kansas (ou em qualquer outro lugar) se abram e cuspam seus ICBMs. O resto será conseqüência.

- Mas...

- Vocês estão destruindo o planeta. Quanto tempo acha que o meio-ambiente agüentará até que a Terra imploda? Capitalismo, comunismo e qualquer outro “ismo” em que se possa pensar são totalmente inócuos. Não importa se as configurações sociais adotadas por vocês são assimétricas ou não, justas ou não. Você acha mesmo que separar o lixo em recipientes coloridos vai reverter a situação? O estrago foi feito, é grande e agora não há mais retorno. Melhor começarmos de novo. Sinto muito Gil. Vocês são uma praga. E têm que ser tratados como tal.

O desânimo causado pelos rumos que a conversa apontava fez com que o organismo de Gilberto intervisse e protestasse. Um desconforto muito forte tomou seu corpo de assalto. Seus intestinos pareciam ter sido desenrolados, examinados e amontoados sem o menor critério de volta dentro da cavidade abdominal.

- Olha, Seu Prudente, não que eu esteja duvidando do senhor nem nada, viu? Mas acho que é meio impossível acontecer isso aí que o senhor tá falando. Olha só, os computadores da força aérea americana são isolados fisicamente, justamente pra evitar situações como essa. Eu mesmo já tentei invadi-los uma vez. Como seu vírus vai chegar lá? – enquanto falava, Gilberto gesticulava bastante, criando uma barreira pantomímica entre ele e seu interlocutor.

- Ao contrário do que parece, existem computadores ligados em rede, sim. Na verdade um, numa base secreta naquele deserto americano. Nevada, acho. É um sistema novo e como a base ainda é segredo, os americanos descuidaram-se um pouco no quesito segurança. E se você imagina que o problema é esse, não nos esqueçamos dos paquistaneses, dos norte-coreanos, dos chineses ou mesmo dos russos. Basta que apenas um míssil acerte o local, Gil. Os outros começarão a voar automaticamente. Como dominós termonucleares – Finalizou Prudente, contraindo levemente o canto esquerdo da boca, esboçando um sorriso, provavelmente satisfeito com a própria analogia.

- E, hã, tipo assim, onde eu entro nisso tudo? Se o mundo acaba amanhã, pra que me dar o emprego?

- O criador do vírus original, por um descuido meu, veio a falecer em circunstâncias no mínimo... inusitadas. A condição inicial para disparar os vírus três e quatro era neutralizar os dois primeiros. Um capricho do antigo programador. Ele também era um gênio. E foi aí que você “entrou”. Precisávamos de alguém para quebrar o código. Contudo, ele deixou o trabalho incompleto. Como você deve saber, sistemas emergentes ainda têm uma margem muito grande de imprevisibilidade. Acredito que isso talvez atrase o cronograma. E existe uma possibilidade muito pequena de que as mutações atinjam um grau de complexidade tão grande que o vírus perca sua meta e acione algum aparelho de ar condicionado em vez de lançar os mísseis.

- Hã...tá. Tudo bem. Certo. Se vocês são tão poderosos assim, porque não fazem o trabalho vocês mesmos? – Disse Gilberto, tentando parecer sarcástico.

- Cláusulas contratuais. Não podemos interferir diretamente. Já disse, preciso de você.

- Olha Seu Prudente, sei lá, tipo assim, não tô duvidando do senhor não, tá? Só tô achando meio estranha essa história mesmo.

- Ora meu jovem! Estou lhe dando a oportunidade de abreviar as coisas. Pense rapaz: se tudo der certo, os mísseis voarão apenas do lado de cima do equador. Claro, vai haver toda aquela coisa da poeira e inverno nuclear, mas existe a possibilidade de que este país não seja tão afetado assim. Talvez torne-se mesmo um oásis. Você estará apenas garantindo um futuro para seus filhos e netos. Acredite, se o colapso acontecer depois, vai ser muito pior.

Gilberto levantou-se bruscamente, batendo o joelho na quina da mesa e derrubando, sem querer, um punhado bem gordo de memorandos que estava na borda da mesa, assim como a cadeira. Conteve-se ao soltar um “ai!” (que as más línguas diziam ser extremamente afeminado), sem saber ao certo se pressionava o joelho com as duas mãos, se pegava a cadeira, se reorganizava os papéis ou se desaparecia dali. Mas não queria mais encarar o Sr. Prudente. Optou pelos papéis. A despeito de qualquer critério, começou a juntar tudo em pequenas resmas, que depositava nas imediações da pilha original, rapidamente. Ainda juntando os papéis, começou a falar, o medo lhe imputando novamente a faculdade da eloquência.

- Olha seu Prudente, acabei de me lembrar. É que eu tenho uns compromissos para agora, sabe, e, pensando bem, acho que meu perfil não está assim tão de acordo com o que o senhor precisa. Eu tenho muito que aprender ainda, e, quem sabe daqui a alguns anos a gente não tenta de novo, hein?
Juntou a última resma, levantou-se e virou, dirigindo-se à porta a passos largos. Estancou quando o Sr. Prudente disse:

- Pense bem garoto! Está deixando uma oportunidade única para trás. Começar tudo de novo. E dessa vez do jeito certo.

Gilberto não se deu ao trabalho de responder. Dobrou à direita no corredor e desapareceu.

O Sr. Prudente não fez nada. Poderia fazer. Poderia, com apenas um pensamento, infligir todo o tipo de sofrimento àquele rapaz. Mas como dissera antes, gostava dos humanos. Ele não era vingativo ou rancoroso como seus companheiros. Além do mais, existiam ainda mais quatro programadores. Algum deles haveria de ser mais sensato.

FIM

S@TYRI.COM

Marcio Massula Jr.

Nihil Obstat

Ela virou-se, lânguida, para conferir as horas. Faltavam 20 minutos. Levantou-se da cama e dirigiu-se ao hall do apartamento monstruoso. Vestia um roupão confeccionado em um tecido caríssimo do qual ela não fazia a mínima questão de lembrar o nome, embora pudesse responder precisamente o valor da pequena fortuna que pagara por ele.

Ao passar pelo escritório, não resistiu à fosforescência do monitor do laptop e, hipnotizada, sentou-se à frente do computador, iniciando uma série de pesquisas pela internet. Tranquilizou-se. A princípio as manchetes econômicas dos principais jornais do mundo não traziam nenhuma novidade que colidisse com seus interesses.  Ela sabia que estava chegando a hora, mas resolveu navegar rapidamente por outros sites de economia pouco mais obscuros, na esperança de não encontrar nada que pudesse abalar seu status quo particular, um velho hábito que o analista diagnosticara como um tipo de compulsão branda, mas que para ela eram apenas ossos do ofício. Na sequência, visitou urls pouco ortodoxas, cuja existência escapava do olhar onisciente de quaisquer buscadores, detendo-se em uma, em particular. Estava avaliando, mais uma vez, o serviço que contratara. Valeria a pena. Mais uma espiada no panorama econômico. Então o interfone tocou. Pontualidade. Ela gostava disso.

- Dona Renata?

- Quem mais poderia ser, Sebastião?

- A senhora me desculpe, é força do hábito. Tem um senhor aqui...

- Mande subir - interrompeu.

- Sim, senhora. Boa noite.

Ela desligou sem se dar o trabalho de responder. Continuou a leitura daqueles algarismos misteriosos à qualquer pessoa não iniciada nas vicissitudes de uma bolsa de valores.

A campainha tocou.

Ela terminou sua pesquisa e dirigiu-se à entrada do hall. A campainha foi acionada apenas uma vez. Paciência. Ela gostava disso.

Abriu a porta que dava acesso ao elevador privativo. Ele estava lá, imóvel, como se fosse mais uma peça da decoração. Ela examinou-o minuciosamente. Era mais baixo que ela, moreno, ou melhor, bronzeado; tinha os cabelos encaracolados e um pouco crescidos; sua barba dava a impressão de não ter se encontrado com nenhum objeto cortante nos últimos três dias, e ele tinha grandes e melancólicos olhos castanhos que, após estabelecido o contato, não se desgrudaram dela. Seus traços faciais poderiam muito bem ser definidos como rústicos, e, em separado, poderia se dizer que possuíam a maioria dos quesitos necessários para que agradassem aos olhos, contudo, faltava harmonia ao conjunto. Pareciam ter sido aglomerados às pressas. Tecnicamente, ele era feio.

- Oi. Não ficou satisfeita? - ele esboçou um sorriso.

- Na verdade não. Mas nós sabemos o motivo pelo qual escolhi você. Entre - ela simplesmente deus as costas, dirigindo-se ao centro do hall - que poderia ser muito bem confundido com um hangar, não fosse a mobília -, desamarrando o roupão de maneira que ele escorresse suavemente, deixando à mostra o corpo esculpido durante horas e horas numa academia de ginástica particular, perdida no fim de algum dos corredores que saíam dali. Ele ficou sem entender muito a atitude da mulher e não lhe restara alternativa além de fechar a porta, que ficou aberta, até que tivesse um vislumbre do que se passava na cabeça dela.

- Não precisa fechar a porta! - ela gritou, já na porta de seu quarto.

- Mas vai ficar aberta?

- Querido, aqui só entra quem eu quero. Venha cá - mais uma ordem do que um convite.

Ele fechou a porta mesmo assim. Depois caminhou até o quarto de Renata, um templo ao culto dela mesma, com espelhos por todos os lados, até mesmo, clichê dos clichês, no teto. Ela estava sentada à beira da cama feita por encomenda por uma carpintaria italiana. Ele pôde perceber que sua pele estava arrepiada, assim como seus mamilos, e ele podia sentir o cheiro no ar, aquele aroma que conhecia tão bem e há tanto tempo. Ela estava excitada.

- Deixa eu ver.

Ele começou a desabotoar o casaco.

- Não. Tire a calça. Eu quero ver.

- Mas...

- A calça, por favor.

- Tá bom. Seu pedido é uma ordem - ele tentou soar o menos irônico possível. Desabotoou a calça e baixou-a de um golpe só, levando junto a cueca. Quando se levantou, ainda pode perceber um pequeno movimento nas sobrancelhas dela, que agora só tinha olhos - literalmente - para seu pau. Conseguiu impressioná-la.

- É, realmente é tudo o que me disseram.

- Desculpe a curiosidade, mas como me descobriu? Foi através do catálogo? Do site?

- Não - ela aproximou-se mais do membro - na verdade quem falou de você foi uma colega sua. Tinha um nome árabe, acho.

- Naiad?

- Essa mesma

- Não é árabe. É grego.

- Como se isso importasse, né?

Havia algo naquela mulher que o incomodava. Talvez aquele ar blasé de quem parecia ver um pinto de quarenta e cinco centímetros todos os dias. Talvez a personalidade extremamente autoritária. Ou talvez, e mais provável ainda, a combinação das duas opções anteriores.

- E então, nosso amigo não vai se manifestar? - o desdém com que ela disse aquilo não contribuiu em nada para quebrar o gelo.

- Bem, é que me sinto meio ridículo assim de casaco e...

- Mas você é um profissional ou não?

- Sou, mas é que... - ela interrompeu-o com um gesto e pegou um pequeno controle que tirou sabe-se lá de onde. Apertou alguns botões e as luzes do teto apagaram-se, permanecendo apenas a iluminação de alguns abajures estrategicamente dispostos segundo alguma variação nefanda do feng-shui. Outro botão ligou o sistema de som, que inundava o quarto com uma música que ele imaginou ser Marvin Gaye, mas não era.

- Está melhor agora?

- É, eu gostei - o comentário foi sincero e ele terminara de se despir.

- Existe uma pequena geladeira ali no canto, se você quiser beber algo antes - ela apontava para um 
canto do quarto, já deitada.

- Nada de álcool. Não é bom para a concentração. E eu sou um profissional, como a senhora bem observou. A propósito, quer que eu pegue alguma bebida? Não para mim, digo.

- Não. Apenas satisfaça-me.

O membro dava sinais de vida, erguendo-se um pouco mais a cada latejada.

Com os dedos de uma mão, ele separou bem os grandes lábios, e com os da outra começou a estimular seu clitóris, fazendo-a contorcer-se ligeiramente, denotando mais incômodo do que prazer. Ou pelo menos era o que parecia. Então ele pediu que ela subisse um pouco em direção à cabeceira da cama, e ele deitou-se de bruços sobre a cama, agora trabalhando com a língua, rápido, e ela finalmente deu sinais de que saíra daquele estado letárgico, agarrando-o pelos cabelos e puxando sua cabeça com força, enquanto ele acelerava os movimentos da língua. Ela começou a gemer baixinho, e vez ou outra soltava um palavrão que ele não conseguia entender completamente. O gosto da volumosa lubrificação vaginal dela serviu de estímulo para que sua língua se transformasse numa hélice, o que, por sua vez, fez com que os gemidos se transformassem em urros, até que, sem mais nem menos, ela afastou a cabeça dele com um chute.

- O pau - ela disse, arfando. Ele aproximou-se e ela pegou-lhe o pênis, semi-ereto, e começou a masturbá-lo, segurando-lhe pela ponta, tendo um cuidado todo especial em revelar totalmente a glande, para cobri-la outra vez numa sucessão que a ele parecia infinita, sem que necessariamente estivesse sendo incômoda ou precisasse parar naquele momento. Mas parou.

Ela agora puxava o prepúcio, deixando a glande mais uma vez exposta, e aproximou a ponta da língua do orifício do canal da uretra, para se afastar em seguida.

- Não.

- Senhora, posso lhe garantir que somos examinados periodicamente e não há necessidade...

- Eu disse não, será que você não entende? Trouxe camisinha?

- Bem, não. É que... - o mastro já desfalecia vagarosamente.

- Como não trouxe? Onde você acha que vive, querido? Toma essa aqui - ela arremessou um preservativo que tirou de uma das inúmeras gavetinhas de um criado mudo que, para não destoar do restante, parecia ser muito caro.

Ele olhou para o objeto em suas mãos, sem saber o que fazer ao certo com aquilo.

- Você não vai colocar?

- É que...eu não estou habituado a usar...na verdade sou novo no ramo e...

- Alôô!!!! Estamos no mundo das DSTs, lembra? Me dá isso! - ela tomou o pequeno envelope de suas mãos, rasgando-o com destreza.

- Venha cá - ela pegou o membro, já mole, e com uma habilidade fora do comum, colocou o preservativo. Ele se sentia cada vez mais constrangido. Antigamente não era assim, pensou.
Ela observava o pinto, já emborrachado, e ria, ria bastante. O preservativo cobria pouco mais de um terço da “ferramenta”. Ele já tinha as faces enrubescidas - o que ela não percebeu devido à pouca iluminação - e começava a suar frio.

- Acho que isso não vai dar certo. Espere - ela se levantou e desapareceu atrás da porta do que ele imaginava ser um banheiro ou closet (sempre se confundia com esses termos). Passaram-se alguns minutos até que ela voltasse.

- Pronto. Agora você já pode vir.

Ela deitou-se de costas na cama, abrindo as pernas, e ele não pôde deixar de notar o grande anel de borracha que ornava sua buceta.

- É uma camisinha feminina, meu caro. Nunca viu? Venha. Rápido! Pelo menos uma coisa boa essa noite tem que ter.

Ele aproximou-se, ela pegou seu pau e encaixou-o na entrada de sua vagina.

- Vá com calma, parceiro. Sabe manobrar essa coisa aí, né?

Ele fez que sim com a cabeça e começou a estocá-la delicadamente, aumentando a frequência à medida que ela parecia mais excitada. Mais uma vez, ela interrompeu o ato de forma brusca - Sai! - e, sem aviso, postou-se de quatro na cama, e ordenou que ele a penetrasse. E ele obedeceu.

Ele movimentava-se delicadamente, e ela reclamou:

- Puta que pariu!, vai mais rápido.

Ele aumentava a velocidade, e ela reclamou:

- Cacete, tá me machucando!

O pênis, momentos antes arquetípico em seu volume, agora já estava semiflácido, escapando um número de vezes que ele julgou constrangedor e ela, inconveniente. E foi quando se virou para reclamar mais uma vez que ela viu, pela imagem refletida no espelho.

E, naquele momento, a única coisa que lhe ocorreu foi gritar.

XXX

- Isso nunca aconteceu comigo antes...

- Tudo bem.

- Acho que me desconcentrei. Não sei explicar.

- Tudo bem.

Ambos estavam sentados em lados opostos da cama, cabisbaixos. Ela queria perguntar sobre a imagem do espelho, queria saber se ele era o dono daquelas pernas peludas e caprinas e daqueles - céus! - chifres. Se o homem transfigurado, ou melhor, desfigurado que a fodia no espelho era aquele mesmo que estava ali, amuado, tentando justificar o sumiço de sua ereção. Mas tinha medo da resposta.

- Se a senhora quiser, podemos lhe devolver o dinheiro e...

- Não. Acho que o problema foi comigo. Mas gostaria que você fosse embora.

- Tudo bem - ele se levantou da cama e começou a vestir as roupas. Ficou em dúvida se deveria se despedir ou não, e chegou a estender a mão, mas de sua boca não saiu nenhuma palavra, e como ela continuou de costas, achou melhor ir embora sem dizer nada.
Ela aguardou até ouvir o barulho da porta se fechando. Esperou alguns minutos e ligou para a portaria, confirmando com Sebastião que o cavalheiro já havia se retirado. Uma pequena precaução, afirmou para si mesma.

Levantou-se, ainda nua, e foi até seu escritório, sentando-se em frente ao computador que continuava ligado. Era tarde, e a bolsa de Tóquio já devia estar num momento significativo do dia. Os números realizavam seu balé aritmético e aquilo, aos poucos, fez com que se esquecesse da imagem do espelho, suprimindo-a com outro tipo de prazer que, por vias tortas, despertou-lhe novamente a libido.

Aquela noite teria que se satisfazer sozinha.